7/14/2011

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Demasiados anos a navegar na tempestade, impedidos de traçar rotas e destinos, habituamo-nos ao sal que nos seca as feridas que a ondulação ajudou a desferir. É-nos familiar o ensurdecedor rugido de ondas mais altas que a nossa existência e que apenas cavalgamos por delas não sabermos sair. Os nós no estômago há muito que passaram a ser alimento para um corpo moribundo que, esbracejando, foi riscando os dias no calendário inventado no que resta do mastro principal. Não há sol, mas os olhos agradecem; não há descanso, mas a cabeça não o quer. De navegantes passamos a resistentes, de aventureiros passamos a condenados. E o corpo moribundo foi riscando os dias no calendário inventado no que resta do mastro principal. Demasiados anos a navegar na tempestade, tantos e com tanto que, passado o tormento, sem ele já não sabemos viver e as pernas trabalhadas no balanço da inconstância, tremem agora que a terra firme as ampara. Regressamos à tempestade, esta agora que nos obriga a saber viver em terra. E no balanço final, que em breve chegará ao corpo que ultrapassou os dias do calendário inventado no que restava do mastro principal, continuaremos com a certeza que foi na tempestade que nos aprisionou em mar alto que estivemos mais próximos da felicidade que lemos nos livros antes da partida. (Oldmirror)
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é preciso dizer
que não há mais nada a celebrar
nem os homens
nem as ideias
nem o tempo essa fenda
que te atravessava a vida
esse rasgão generoso
que te aproximava os céus
fechou-se estás perante o escuro silêncio
das coisas mortas
não abandones os espelhos
ainda que quebrados
eles são o palácio derradeiro
o último jardima gota impossível
de secar guarda aí a semente
as palavrasas vozes
as imagens porque o amor
é um minucioso trabalho do tempo
em direcção à morte
- Gil T. Sousa

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