8/29/2011

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O "Sinais" tem seis anos e uns meses. Eu e ele tínhamos tanto para dar. Resistimos a tanto. Mas houve um "sim" que desabou sobre nós como derradeiras bombas. E deste ataque, preparado no silêncio das palavras, na fuga ao corpo a corpo, não restaram sequer estilhaços capazes de se voltarem a unir, capazes de lamberem as feridas e seguir. Não resta nada.
Adeus.
Vamos morrer longe!
[Oldmirror]

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8/26/2011

442



E quando julgamos que o punhal não pode mais perfurar-nos as entranhas, quando pedimos clemência e nos despimos de orgulho esperando por um derradeiro milagre que nos devolva a vida, eis que, com requintes inimagináveis de malvadez, o carrasco, cobardemente agora de cara escondida, roda a lâmina afiada dentro daquele coração que outrora o abrigou. Adivinhamos que o recital de tortura seguirá com as mãos que antes nos afagavam a pele a espalharem o sal nas feridas que foram plantando enquanto ingénuos traçávamos no mapa o caminhos que nos levaria ao futuro. Derrotados temos, porém, um breve sopro que nos deixa continuar a sonhar o mesmo que antes sonháramos, no entanto, quando olhamos para os olhos de quem nos apunhala profundamente, deixámos de ver o olhar de quem nos habitou o coração, enquanto indefeso, um olhar sereno e de esperança mas capaz de matar e morrer para que conseguíssemos alcançar o futuro. Agora o que vemos é a ausência, o esquecimento e um incompreensível brilho enquanto nos observa a sangrar, enquanto avalia o estado em que nos deixou. Por baixo da cobarde máscara, certamente, mais genuína do que o rosto fresco de outrora, é provável até que exista um indisfarçável sorriso. Mas mesmo mortos continuaremos a saber que é possível voltar a roçar a perfeição e ficar mais perto do fim da estrada traçada no mapa que nunca foi rasgado. (Oldmirror)


Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração
Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto.
- Florbela Espanca

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8/24/2011

441


Sem ontem nunca haverá amanhã e hoje existe apenas na folha do calendário enquanto assim o entendermos. (Oldmirror)
.
Amanhã é quinta-feira.
Se o mundo cumprir com suas obrigações,
dep
ois de amanhã será sexta.
Se não, talvez mesmo domingo
e nunca ninguém saberá
onde se extraviou nossa vida.
- Piotr Sommer

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8/23/2011

440





É impossível simplesmente viver?
A quantas regras e convenções é preciso obdecer? Quantos sonhos e desejos induzidos teremos que perseguir? Quantos precipícios e derrotas somos obrigados a evitar? Quantos gestos e palavras apropriadas iremos ter que pronunciar? Quantas tarefas e missões cumpridas serão suficientes? Quantos abandonos e esquecimentos nos pedirão? Quanto de nós nos deixarão utilizar?
Depois disso, quanta vida livre nos sobrará para, então, simplesmente viver?

(Oldmirror)

Posto assim,
não muito:
dois seres,

uma garrafa de vinho,
queijo do país,
sal, pão,
um quarto,
uma janela e uma porta,
lá fora, que chova,
chuva de longos fios,
e claro, cigarros.
Mas, ainda assim, de muitas noites
apenas uma ou duas vezes resulta,
como os grandes poemas de grandes poetas.
O mais é preparatório,
ou epílogo,
dor de cabeça,
ou espasmo de riso,
não se pode, mas deve-se,
é demasiado, mas insuficiente.
- Péter Kantór

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8/22/2011

439




E de nada valerá fazer um último balanço porque o tempo não esperou e se negativo for o resultado ser-nos-á impossível regressar à origem para recuperar o que outrora abdicámos. Viveremos mais um ano ou um século até, sem que aquilo que escolhemos volte a ser avaliado. Detemo-nos uns dias, uns meses, procurando avançar, reunindo explicações, coleccionando chavões, e as luas ajudam-nos a seguir. Mas chegará o dia em que, cansados, acabados, preparados, não conseguiremos evitar um último balanço e aí; aí provavelmente escolheremos o derradeiro e hipócrita chavão que nos impede do genuíno arrependimento, mas também aí somos mergulhados na mais corrosiva e permanente amargura. Mas aí, será tarde e será ela a última das companhias. (Oldmirror)
.

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;
Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.
- W. B. Yeats

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