9/28/2005

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E agora órfão de nós, de mim, de ti, fá-lo-ia de novo. Voltaria a entregar a vida que resta por um minuto de olhares trocados entre o castanho de Outono e o verde da Privavera. Mas deixo-me ficar aqui, seguro pelas redes, tranquilo pela ausência. (Oldmirror)

Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissémos. Fizémos. E
estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por invernos, por um septeto vienense e por
verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis, idolatrei o
indefinido e senti devoção perante um nada.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi a ti,
perdi o mundo.

- Ingeborg Bachmann

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