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Sara sentia-se só. Francisco há muito que não olhava para Sara, há muito que não olhava para ninguém. Sara ainda tentara seguir os conselhos da revista feminina, passeando-se com lingerie escura que oferecia mais luz à sua pele clara. Francisco, esquecera-se da última vez que se barbeara e os pêlos junto à boca, onde outrora existiam uns lábios apetecíveis, começavam a amarelecer pela nicotina demasiadamente presente. Sara desistira de Francisco pois sabia que Francisco embora não tivesse desistido dela, esquecera-se da sua existência. Francisco esquecera-se dele próprio e ficara refém de uma viagem pelas páginas de Proust de onde nunca mais conseguiu sair. Sara mantinha Francisco vivo porque ainda o amava. Francisco estava convencido que era Proust que o alimentava e que cada gole de café que lhe chegava ao estômago, ou cada trago de sopa que sentira engolir, eram simplesmente sensações decorrentes do "Prazeres e os Dias". Sara habituara-se ao isolamento de Francisco durante alguns dias no quarto dos hóspedes. Francisco, mudava de divisão cambaleando lentamente, durante curtas pausas para assimilar frases. Sara já não via Francisco há três dias. Francisco morrera "Em Busca do Tempo Perdido". (Oldmirror)
... se ele ainda estiver a dormir quando eu voltar ao quarto, e o clavicórdio continuar a reger o abismo com a sua simples presença e a sonoridade que pressinto, sento-me à entrada da ausência, aspirando o meu vagar nocturno e o movimento dos músculos das árvores,
lugar particular ali,
lugar universal aqui.
- Maria Gabriela Llansol
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a solidão acompanhada...