10/20/2008

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A caneta que constantemente se desvia do seu caminho, procurando a história que não era para ser contada, recusando obedecer às ordens de quem quer inscrever na história, páginas de filigrana literário. A caneta rebelde que prefere ir seguindo para as frases mais dolorosas como se de um objecto masoquista se tratasse, sabendo, no entanto, que são masoquistas os dedos que a seguram. O enredo é sacrificado por um emaranhado de pulsações visíveis a olho nú no pulso do escriba, no coração do autor que, impotente, vai seguindo o caminho traçado pela caneta irrequieta, como se fosse uma criança encandeada pela luz do proibido. Já longe da filigrana, escravo de um destino traçado por outrém, o escritor flutua no epicentro de uma tempestade que arrepia, envolve e aquece. A mão trémula parece, agora, demasiado pequena para agarrar aquela bússola que tudo faz menos encontrar o Norte. Nunca conseguiria escrever o seu destino. (Oldmirror)
...Durante meses não lhe respondi. Porquê? Porque não podia escrever senão à Ellen, à Ellen: toda a outra correspondência me era intolerável. (Escrever a outros quando me podia dirigir a ela?!) E o resultado? Ei-lo: não me matei em conferências e artigos para magazines. Qual o resultado pecuniário, esse recuso a ponderá-lo... Mas, agora, que acabei a peça (em borrão), tentarei ganhar algum dinheiro suplementar - não que me apeteça, mas fui sempre tão inábil para o forjar que ninguém me tira a ideia de que estou à beira da falência...
Mas em verdade é só a Ellen, a ellen, a Ellen, a felicidade, a tranquilidade, a paz, o refúgio, a consolação de amar a querida Ellen - vá, acrescente: 'e de ser amado por ela' (uma mentira custa tão pouco...) - o meu único tesouro...
...Tornei a sentar-me para lhe escrever. As chamas esmorecem na lareira; este frio cortante é-me propício, suponho, já que por compleição sou um homem do Norte, mas espero que a Ellen esteja quentinha como uma ilha ao sol, amadornada no Mediterrâneo. Agora que terminei a peça só me resta beijar, enfim, a minha Ellen, e morrer.
- Carta de amor de Bernard Shaw a Ellen Terry

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1 Comments:

Blogger ivone said...

é por isto que volto aqui. para tentar conseguir imaginar_te na página.e saio sempre quase reconfortada.

10/22/2008 10:23:00 da tarde  

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