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Só subo à superfície para vos roubar um pouco de ar. Não demoro. Não incomodo. Prometo que nem sequer me detenho a olhar para vocês. Só vos peço que não me olhem também, nem me façam sentir o calor que transportam na pele à qual renunciei. Só subo à superfície para vos roubar um pouco de céu. É que a memória começa a fraquejar e é apenas com ela que sobrevivo deste lado de cá. (Oldmirror)
Morremos por estarmos a mais
e estar a mais é ir morrendo em cada dia
Estar a mais é não ser o que se é ou não pode ser
e ser a hesitação de quem perdeu o rumo
e gira em torno da sua própria ausência
(...)
Assim o homem é quem é e quem não é
e entre estes contrários a tensão é insustentável
o que se faz exceder-se e ser a mais
(...)
- António Ramos Rosa
Etiquetas: António Ramos Rosa
Adiantamento
"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã... (...) Álvaro de Campos
A sua cara lívida está de um verde falso e desnorteado. Noto-o, entre o ar difícil do peito, com a fraternidade de saber que também estarei assim.
pessoa
onde não respiras que a morte me descobre
e pretende apertar-me num casaco de pedra
É onde não respiras Mas rebenta a revolta
com o curto-circuito de uma cadeira eléctrica
É onde não respiras E vou roendo as trevas
à procura da pista de mais um europorto
e daquelas cidades onde só nos conhece
o amor que trazemos entranhado no corpo
Esta noite é tão negra que seria uma estrada
se não houvesse a esperança de aves e aviões
Ou melhor a promessa de uma hora inexacta
Ou melhor a certeza de fugirmos os dois
David Mourão-Ferreira