6/17/2010

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Vou fechar os olhos e contar lentamente até dez milhões. Quando os abrir espero finalmente ver. (Oldmirror)

Ela volta a fechar os olhos; as palavras não atravessam o seu sonho. Esse sonho pesado onde borbulha um sangue violáceo e que eu não posso sonhar. Não. Não voltes a adormecer. Acorda já, acorda para sempre. Ela abriu os olhos, abriu os lábios, estava de novo perto de mim e eu não soube guardá-la. Era preciso penetrar à força e em cheio no seu coração, rasgar os nevoeiros, e obrigá-la a escutar-me, suplicar-lhe: permanece viva, volta para mim. Volta; ainda ontem era tão fácil. As mãos pousadas no volante, olhavas o céu, dizias: que bela noite. Uma noite demasiado bela, tão suave. Sorrias: voltarei. Nunca mais voltarei a ver o teu sorriso. Dir-se-ia que o seu lábio se tornou demasiado curto, aparecem-lhe os dentes e tem as narinas comprimidas; na sua carne viva, há já um cadáver que se modela. É preciso fechar os olhos, esquecer esta máscara de morte; amanhã já não serei capaz, já só verei a máscara. «Voltarei.» Deveria ter lançado os braços à tua volta e não os abrir mais: não te vás embora; amo-te, fica comigo. Ouviste estas palavras e partiste; eu deveria tê-las gritado mais alto. Amo-te. Agora eu falo e tu não ouves. Escutavas-me tão apaixonadamente: e eu calava-me. Será que não voltaremos nunca para trás, em nenhuma vida? Ela está ali tão próxima (...)

- Simone de Beauvoir

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4 Comments:

Blogger ivone said...

porque ñ vais ter com ela?

6/18/2010 01:27:00 da manhã  
Blogger T. Becque said...

Disturbing and very interesting.

6/18/2010 03:54:00 da tarde  
Blogger oldmirror said...

ela?

6/19/2010 12:29:00 da manhã  
Blogger [ t ] said...

retiraram-lhe os sentidos. a boca à espreita de àgua. ou àgua na boca - o que lhe resta.

6/22/2010 06:02:00 da tarde  

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