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[The Calling of St. Matthew. Caravaggio]
Nunca pedi a liberdade a não ser para pedir a reclusão. Não a usarei em vão, nem mesmo lhe tocarei. Decidi acorrentar-me ao destino e não mais subir à tona. Ficarei mergulhado num mar de desistentes esquecendo-me do que significa lutar. Ficarei algemado a uma vida que por desnorte vendeu a alma ao desbarato e o coração aos pedaços. E do fundo do meu cárcere recitarei todos os pecados por cometer onde o maior seria amar-te ainda mais. (Oldmirror)
Passar-te estas palavras assentes
na promessa de nada comunicarem.
Aceitas tão pesado desafio? Voz
sem uma pessoa dentro: numa cidade
grande de tantas heranças, tão poucos
amigos, que mais havia a esperar?
Apenas a derradeira ousadia
do corpo, a pausa de pensar um outro
desejo. Não é preciso inventar
a distância, cada um para seu lado
a ir ter com as coisas que conhecemos
há tanto tempo. Dou contigo na única
atenção, ficaria aqui muitas horas
só a olhar a calma que pões em tudo.
E tudo foi breve, as semanas
já correm sobre o nosso esquecimento.
Dizer quem és vai ficar sempre
adiado, procuro o doído desejo
da repetição.
-Helder Moura Pereira