Já devia ter aprendido que há limites. Devia saber que quem contempla a linha do horizonte e se deslumbra dificilmente arriscará a desilusão de conhecer o que está para além do olhar, dificilmente fará mais do que esboçar uma felicidade construída por trás do olhar. Deveria ter aprendido que há limites. Que quase sempre quatro paredes, uma cidade, um acordar e um adormecer, um filho, um amor alternativo, são suficientes para a ilusão de uma vida vivida. Devia aceitar que há limites. Há limites pintados naquela vida que nunca chegará a conhecer a necessidade do incerto mas a fantasia de uma vida. Há limites naquela vida, recusados mas vividos. Não dá mais, não consegue, são os limites. Já devia ter aprendido que há limites. (Oldmirror)
A vida prejudica a expressão da vida. Se eu tivesse um grande amor nunca o poderia contar. Eu próprio não sei se este eu, que vos exponho, por estas coleantes páginas fora, realmente existe ou é apenas um conceito estético e falso que fiz de mim próprio. Sim, é assim. Vivo-me esteticamente em outro. Esculpi a minha vida como a uma estátua de matéria alheia ao meu ser. Às vezes não me reconheço, tão exterior me pus a mim, e tão de modo puramente artístico empreguei a minha consciência de mim próprio. Quem sou por detrás desta irrealidade? Não sei. Devo ser alguém. E se não busco viver, agir, sentir, é - crede-me bem - para não perturbar as linhas feitas da minha personalidade suposta. Quero ser tal qual quis ser e não sou. Se eu cedesse destruir-me-ia. Quero ser uma obra de arte, da alma pelo menos, já que do corpo não posso ser. Por isso me esculpi em calma e alheamento e me pus em estufa, longe dos ares frescos e das luzes francas - onde a minha artificialidade, flor absurda, floresça em afastada beleza.- "Bernardo Soares"Etiquetas: Bernardo Soares