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"Levanta-te, vá lá!" Dissera-lhe eu, adivinhando a resposta pálida e apagada. "Deixa-me! Quando me erguer fa-lo-ei sozinha, longe de ti" Respondeu-me, sem sequer esboçar mais do que um espreguiçar de alma. Já sem nada a perder, hesitava entre o calor do Inferno e a tona da água. Já sem mais para fazer, arrumei a mala e esperei pelo futuro quieto num canto bem longe dali. Sabia que poderia levar anos até que ela se erguesse, até que o enebriante calor do Inferno fosse substituído por um sereno boiar à superfície de águas tranquilas olhando o céu, contando as estrelas. Passaram anos, nem os vi passar. "Estou aqui" Sussurou-me, no regresso tímido e confiante. "Pois estás". Sempre estivera. À distância de um toque, ao alcance de dois braços prontos para amparar uma queda que, sabia eu, nunca chegaria a acontecer. Sempre estivera. Mas precisara, por momentos, de se esquecer que estava. De se lembrar como era ter a porta do quarto fechada por dentro. (Oldmirror)
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
- Drummond de Andrade
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