5/17/2006

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Estavam ali como se olhassem para um Deus. Esperavam por palavras, por uma voz que os fizesse sonhar, que lhes dissesse quais são os caminhos errados por onde seguir em busca de uma infelicidade ambicionada. Esperavam por mais, sempre mais, com a sede de quem precisa de descer ao Inferno minutos antes de regressar à vida lá em cima. Estavam dispostos a seguir uma qualquer voz que transformasse os seus corpos em seres vivos, num composto de sentidos e emoções que os fariam sentir-se completos. Buscavam, no fundo, uma vida entregando a sua própria vida. Não esperavam era que a voz não se fizesse ouvir. Ainda assim bastava-lhes a voz sem voz pois o importante era que existisse. Não estavam dispostos a regressar à vida lá em cima de sentidos e emoções a abanar. Não estavam dispostos a passar um minuto que fosse sem provar aquele Inferno, sem cheirar aquele húmido escuro, sem tocar uma qualquer pele demasiado vulgar, sem ouvir o que nunca chegou a ser dito, sem ver que afinal o que viam era apenas aquilo, apenas aquilo. (Oldmirror)

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
– Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

- Herberto Helder

3 Comments:

Blogger inBluesY said...

por vezes, tão pouco chega a alguns curiosos para saciar sedes, digerir lentamente pode ser uma virtude.

5/17/2006 10:34:00 da tarde  
Blogger Polly Jean said...

Sem palavras. Pelo HH, pela foto e pelo teu texto. Sobretudo pelo teu texto.

5/17/2006 11:25:00 da tarde  
Blogger oldmirror said...

"Digerir lentamente" - Ora cá está um exercício de sabedoria.

5/18/2006 10:37:00 da manhã  

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