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Tentava escrever ao ritmo crescente da cinza na ponta do cigarro mas aquilo que havia para dizer era bem menos que o tabaco que alimentava o fumo que me ia escapando por entre os dedos amarelecidos de tanto insistir em explicar o que me estava entranhado bem perto dos pulmões. Aos apelos de uma luz, apagavam-se os candeeiros da sala e pela porta já não conseguia perder-me na visão de um corpo movendo-se ao som de uma história que sabia não ir repetir-se. Os gestos lentos das mãos que acariciavam os cabelos e sentiam a pele do rosto eram apenas mais um pedaço de filme que nunca chegaria a ser editado, um pedaço de filme igual ao que já fora feito antes e que juntara os rostos, as peles, os cabelos, as mãos, os corpos, os lençóis e o mundo inteiro num único fotograma fixado para sempre. (Oldmirror)Queres um cigarro? Eu vou fumar um. Acendo-os agora como tu me ensinaste, com um fósforo grande, deixando que arda durante um bocado até que o sulfato se consuma completamente e não estrague o sabor do tabaco......não é fácil, eu sei. Hás-de ter sentido a falta de qualquer coisa, da humanidade de um som que te fizesse descer à terra, do calor que a minha voz não tinha. Eu sei. Ninguém vive só de amor e muito menos de um amor quase ausente. Eu sei, eu sei que é estranho este meu modo de ser e de te dizer, em silêncio, que te amo.- Manuel Jorge Marmelo

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