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Tentava, tentava desesperadamente remendar os buracos feitos pelo tempo. Passava horas tentando encontrar o ponto ideal para fechar aquele vazio, mas nunca conseguira. Os dedos picados em ferida, a alma fugida e as lágrimas, as lágrimas eram as grandes culpadas, embaciavam-lhe os olhos que assim se enganavam. Os remendos nunca eram suficientes, nunca iriam substituir o pedaço que ali esteve e que se gastou, rasgou, acabou. De pedaço em pedaço, ali, sem desviar os olhos para o lado, tentando não perder tempo, a vida ia-se esgotando, a vida ia fugindo pelo buraco onde ainda não havia remendo que tapasse, nem linhas que o unisse. Por vezes, lembrava-se que houve um tempo em que não era preciso tapar o buraco, porque ele não existia, por vezes, lembrava-se que antes de se sentir esvaziar lentamente, antes de ver a vida escorrer-lhe por onde a alma já saíra há muito, havia um peito aberto onde todos podiam ver um coração bater...inteiro. (Oldmirror)Nem sempre sou igual ao que digo e escrevo.Mudo, mas não mudo muito.A cor das flores não é a mesma ao solDe que quando uma nuvem passaOu quando entra a noiteE as flores são cor da sombra.Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.Por isso quando pareço não concordar comigo,Reparem bem em mim:Se estava virado para a direita,Voltei-me agora para a esquerda,Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pésO mesmo sempre, graças ao céu e à terraE aos meus olhos e ouvidos atentosE à minha clara simplicidade de alma...- Alberto Caeiro

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