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Delzira fora feita entre as duras escarpas do Douro. Crescera ao ritmo da vinha, sofrera como as colheitas em anos onde o vinho apenas nasce por milagre, vivera à velocidade de um rio que acaricia as margens, onde morava, antes mesmo de partir até à Foz. Delzira via os combóios que um dia a levariam ao Porto, a cidade que roubara o nome ao vinho que a vira crescer e que acabaria por roubar a liberdade dos seus sentidos apurados entre sucalcos em nome de um amor. Delzira envelhecera, não esquecera o Douro, mas os sentidos feitos de uva e de xisto, de verde e de água, de sol e de Inverno, nunca mais conheceram a casa onde nasceram. Delzira perdera tudo, quase tudo, e em breve morreria sem que a brisa do Douro a pudesse espalhar pelas terras onde a vindima que chegasse a pudesse também saborear, sem que o ano da sua morte não fosse de colheita para esquecer. Delzira perdera a visão, mas pouco se importara que se fizesse escuridão no Porto, pois fora escuridão que sempre o Porto lhe trouxera, chegava-lhe a cegueira que essa não lhe rouba a memória. Delzira morreu no Porto, o Porto que lhe roubou tudo, quase tudo, até o amor. Na terra que a obrigou a ficar longe, a trocar o suor da dureza de uma vida pelas lágrimas do sofrimento de uma vida. Delzira morreu no Porto, o Porto que lhe roubou tudo, quase tudo, menos a memória, menos a imagem daquele Douro de onde nunca quisera verdadeiramente sair e onde sempre quisera morrer. (Oldmirror)
Às vezes, passo horas inteiras
Olhos fitos nestas Traseiras,
Sonhando o tempo que lá vai;
E jornadeio em fantasia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho Douro, mais meu Pai...
.
...Ó Portugal da minha infância,
Não sei que é, amo-te a distância,
Amo-te mais, quando estou só...
Qual de vós não teve na Vida
Uma jornada parecida,
Ou assim, como eu, uma Avó?
- António Nobre
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A minha era de Vila Velha de Rodão e trazia histórias das portas do Tejo... e de aos 13 anos ficar só...
Outro Rio, outra história, ou a mesma, a da margem...
Beijos