11/14/2007

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Sem voos rasantes por falta de coragem iam pairando um no outro, olhando de longe sem palavras trocadas mas com sinais de eternidades. Aprenderam a comunicar pelo vento, pela folha caída, pela vírgula mal posta. Inventaram a proximidade pelo olhar trocado em cadeia que completava a viagem num gesto inocente do empregado do café ou no som saído do rádio colocado na banca da fruta do mercado visitado. Por vezes chegavam mesmo a beijar-se, demoradamente, quando um impulso os levava a sentarem-se num banco de jardim, ou a inspirar o aroma do chá verde que fumega na chávena ao lado. Mas havia algo que nunca mais conseguiram fazer. Nem mesmo quando as lágrimas vertiam e davam uma nova pontuação ao livro de Whitman embalado pelo gemido de Billy Prince. Nunca conseguiram de novo o abraço. Nunca conseguiram de novo a pele. A distância necessária e suportável, a ausência das palavras, dos afectos secretos e a proximidade inventada pela magia daquela improvável ligação tornavam-se então duros objectos de tortura a fazerem as delícias de dois masoquistas por necessidade. (Oldmirror)

Eram um homem e uma mulher e falavam. E o que diziam, ou o que a mulher dizia, era a tentativa de um diálogo fundo, mais fundo do que o diálogo de amor que se trava, ao nível do corpo, entre uma mulher e um homem. Ela procurava uma forma de encontro, através das palavras, um encontro que era, antes de mais, consigo própria, e só depois com o homem que escutava. Ou era apenas um jogo de palavras? Hesitou de repente, sem ver claro. Em algum lugar, é verdade, a falsidade começava. Talvez porque a mulher imaginada pressentia que o homem estava parcialmente fora do diálogo e lhe resistia, como se ele representasse, de certo modo, um perigo, e se pudesse finalmente converter numa agressão contra ele próprio. Talvez por medo, sim (pensou), o homem recusasse participar e levar a sério o que a mulher contava, aceitava-o apenas como um passatempo, compreensível numa praia em que todas as horas eram iguais e vazias. Ele estabelecera, portanto, limites tácitos a todas as palavras, verificou, e, se a mulher que falava tentasse ultrapassá-los, ele obrigá-la-ia a retroceder e a alegar que estava mentindo.A mulher imaginada escolhera assim primeiro grandes palavras abertas, como céu, mar, ponte, barco, estrada, rio, palavras que ofereciam espaços livres, onde a forma dela própria podia sempre perder-se de vista facilmente, no meio de uma infinidade de outras coisas. Mas a pouco e pouco, insidiosamente, fora-se aproximando de um espaço limitado, concentrado em torno dela mesma, e era aí que o diálogo começava a adquirir a tensão que ela secretamente procurava(...)
- Teolinda Gersão

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5 Comments:

Blogger Francesca said...

Sempre tão bonito. :)

11/14/2007 06:16:00 da tarde  
Blogger oldmirror said...

Nem sempre, nem sempre.
Merci bien.

11/14/2007 06:46:00 da tarde  
Blogger liliana miranda said...

Nunca conseguiram de novo o abraço. Nunca conseguiram de novo a pele. Havia entretanto palavras trocadas ao vento com sinais de eternidade.
.. tão lindo!(as usual)
beijos, beijos

11/18/2007 09:52:00 da tarde  
Blogger Aestranha said...

Tão bonito, tão lindo, tão cruel... tão difícil!

Vais perdoar-me o palavreado, não é para ofender... Mas foder é fácil, a intimidade é que é o cabo dos trabalhos...

Revejo-me... Ainda não na procura mas na ausência. Touché, como sempre!

Beijo-te... à distância...

11/20/2007 03:22:00 da manhã  
Blogger oldmirror said...

Tens razão. Houve uma diva de Hollywood que disse: "O problema é que os homens gostam de se deitar comigo, mas não gostam de acordar". É a intimidade que, por vezes, intimida demasiado, pelo que vamos ficando pelo resto. Ambos são inprescindíveis mas nem sempre alcançáveis.

11/20/2007 10:45:00 da manhã  

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