Sem voos rasantes por falta de coragem iam pairando um no outro, olhando de longe sem palavras trocadas mas com sinais de eternidades. Aprenderam a comunicar pelo vento, pela folha caída, pela vírgula mal posta. Inventaram a proximidade pelo olhar trocado em cadeia que completava a viagem num gesto inocente do empregado do café ou no som saído do rádio colocado na banca da fruta do mercado visitado. Por vezes chegavam mesmo a beijar-se, demoradamente, quando um impulso os levava a sentarem-se num banco de jardim, ou a inspirar o aroma do chá verde que fumega na chávena ao lado. Mas havia algo que nunca mais conseguiram fazer. Nem mesmo quando as lágrimas vertiam e davam uma nova pontuação ao livro de Whitman embalado pelo gemido de Billy Prince. Nunca conseguiram de novo o abraço. Nunca conseguiram de novo a pele. A distância necessária e suportável, a ausência das palavras, dos afectos secretos e a proximidade inventada pela magia daquela improvável ligação tornavam-se então duros objectos de tortura a fazerem as delícias de dois masoquistas por necessidade. (Oldmirror)Eram um homem e uma mulher e falavam. E o que diziam, ou o que a mulher dizia, era a tentativa de um diálogo fundo, mais fundo do que o diálogo de amor que se trava, ao nível do corpo, entre uma mulher e um homem. Ela procurava uma forma de encontro, através das palavras, um encontro que era, antes de mais, consigo própria, e só depois com o homem que escutava. Ou era apenas um jogo de palavras? Hesitou de repente, sem ver claro. Em algum lugar, é verdade, a falsidade começava. Talvez porque a mulher imaginada pressentia que o homem estava parcialmente fora do diálogo e lhe resistia, como se ele representasse, de certo modo, um perigo, e se pudesse finalmente converter numa agressão contra ele próprio. Talvez por medo, sim (pensou), o homem recusasse participar e levar a sério o que a mulher contava, aceitava-o apenas como um passatempo, compreensível numa praia em que todas as horas eram iguais e vazias. Ele estabelecera, portanto, limites tácitos a todas as palavras, verificou, e, se a mulher que falava tentasse ultrapassá-los, ele obrigá-la-ia a retroceder e a alegar que estava mentindo.A mulher imaginada escolhera assim primeiro grandes palavras abertas, como céu, mar, ponte, barco, estrada, rio, palavras que ofereciam espaços livres, onde a forma dela própria podia sempre perder-se de vista facilmente, no meio de uma infinidade de outras coisas. Mas a pouco e pouco, insidiosamente, fora-se aproximando de um espaço limitado, concentrado em torno dela mesma, e era aí que o diálogo começava a adquirir a tensão que ela secretamente procurava(...)- Teolinda GersãoEtiquetas: Teolinda Gersão