7/12/2009

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Guardo os últimos segundos para que possa esperar até que a chave volte a entrar naquela porta que desgraçadamente continua a ter dois sentidos. O mais ínfimo pormenor entra em mim da mesma forma com que entramos um no outro quando o tempo pouco nos dizia, quando o tempo repousava na mesma cama onde deixamos uma vez mais o confuso suor do estarmos inteiros sabendo que partiremos de novo em breve. Olho-te muito porque muito não chega para acalmar dois corpos que se cruzam numa vida interrompida. Evito-te os olhos. Mostram-me o que recuso ver, mostram-me o que recusas mostrar. Demoras os movimentos, prolongas o momento, esperas que o tempo sossegue e que todos os caminhos nos levem de volta aos lençóis onde acabámos de deixar que a vida avançasse um pouco mais. Vou engolindo em seco com a mesma frequência com que a ideia de fracasso me passa pela cabeça, com a mesma frequência com que me lembro e me esqueço que depois da porta voltar a abrir-se, abre-se com ela a dimensão de uma vida a cores que me encandeia e me faz procurar desesperadamente por um novo quarto onde, a preto e branco, te volte a olhar.
- Oldmirror (“evito-te os olhos” – 21/09/07)
Há vício no meu olhar fixo
basta lançar a linha e logo serena
em mim o desassossego
os olhos repousam no flutuador, mas é mais
que repousar, é como se finalmente
estivesse livre para não sair do sítio,
e assim o meu olhar fica inerte - não espero
que o peixe morda - fixo
o momento. Não preciso de nada não preciso
de olhar. Concentro-me nas rugas à superfície
não me esforço em penetrar até ao fundo.
Indiferente ao que possa aparecer, desaparecer
por cima ou por baixo de mim, indiferente
ao que foi e indiferente ao que está para vir.
As cores lisas a brilhar à tona da água
já são acontecimentos a mais
e vejam, eis o primeiro círculo
de algo que caiu na água ao longe.
Nada melhor do que não fazer nada,
do que não me mexer. Até um mínimo
erguer de olhos perturba irremediavelmente a ordem
e faz acontecer, faz acontecer.
- Judith Herzberg

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1 Comments:

Blogger thê said...

o que é um quarto sem um sonho? encerra o tamanho do destino. e. talevz "o infinito vazio das palavras, que são sempre incompreensíveis para os amantes." Óscar Málaga Gallegos

7/15/2009 12:09:00 da manhã  

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