337
É também isso que me mantém preso a estes quartos que apenas vão mudando de número, mantendo os personagens, o desejo, a cumplicidade e a vontade de estarmos longe do mundo. É porque sem eles não ficaríamos completos, porque apenas eles suportariam ver-nos assim, despojados de tudo o que não seja nós mesmos. Reais, sem corantes nem conservantes. Só mesmo este mundo de números onde a matemática é feita a dois conseguiria somar emoções, multiplicar desejos, dividir cumplicidades e subtrair a culpa que acabamos por sentir sempre que a equação salta fora deste quarto quadriculado. É também isso que me mantém preso a ti, essa forma única de te tornares denominador comum de alguém como eu mergulhado em demasiadas variantes apenas coincidentes quando nos unimos aqui, fechados por parentesis rectos.
- Oldmirror (“matemática” – 22/09/07)
- Oldmirror (“matemática” – 22/09/07)
Imagem e espelho! Os seus olhos abraçaram a nobre silhueta adiante, na borda do mar azul, e, num arroubo de encantamento, teve a percepção de que este relance o compenetrava da própria essência do belo, da forma como pensamento divino, da perfeição única e pura que habita o espírito e ali erigia, para adoração, uma imagem, um símbolo claro e gracioso. Era esse o seu êxtase. E o artista no declínio da vida acolheu-o sem hesitar, avidamente mesmo. O seu espírito abriu-se como que em trabalho de parto, toda a sua formação e cultura efervesceram, sofreram mutação, a sua memória fez aflorar pensamentos primitivos, transmitidos como lendas à sua juventude e até então nunca avivados por chama própria. Não estava escrito que o sol diverte a nossa atenção das coisas do intelecto para as coisas dos sentidos? Segundo se dizia, ele atordoa e enfeitiça a razão e a memória, ao ponto de a alma, afundada em prazer, esquecer totalmente o seu estado real, ficando presa em êxtase ao mais belo dos objectos iluminados pelo Sol, e então é só com a ajuda de um corpo que ela encontra forças para se elevar a contemplações mais altas. Na verdade, Amor fazia o mesmo que os matemáticos, apresentando às crianças não dotadas imagens tangíveis das formas puras: assim o deus se comprazia em servir-se também, para nos tornar visível o espiritual, da forma e cor da juventude humana, que enfeitava com todo o esplendor da beleza, para instrumento da lembrança, fazendo-nos inflamar, ao vê-la, de dor e esperança...
- Thomas Mann
Etiquetas: Thomas Mann
Palavras bonitas dão origem textos fantásticos **