2/27/2009

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Há pedaços de mim que nem eu próprio ainda descobri. Há bocados de vida que não me lembro se vivi mas que existem sempre que me vejo frente-a-frente comigo mesmo. Há palavras que procuro sabendo no entanto que nunca as acharei. Foi em mim que explodiste os estilhaços, aparei-os de braços abertos porque nada havia a temer, pois no peito onde deixaste os despojos, nada havia antes deles. (Oldmirror)

Na lista dos teus fins venho no fim
de uma página nunca publicada,
e é justo que assim seja. Embora saiba
mexer palavras, e doer de frente,
e tenha esse talento conhecido
de acordar de manhã, dormir à noite,
e ser, o dia todo, como gente,
nunca curei, como previa, a lepra,
nem decifrei o delicado enigma
da letra morta que nos antecede.
Por muito te querer, talvez pudesses
dar- me um lugar qualquer mais adiante,
despir- te de pudor por um instante
e deixá-lo cobrir-me como um manto.
- António Franco Alexandre

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2/12/2009

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Inspiro o fumo como se buscasse nele a inspiração para dobrar o cabo de mais uma noite em que o sono não veio, tu não vieste e ao meu lado jaz um corpo de quem ignoro qualquer história. Expiro o fumo como se expirasse o prazo de uma vida a quem foi roubado o mote, a quem foi tirada a carne e o sumo e a quem restam os ossos nada duros de roer. Espero. Há muito, sem pressa. Resigno-me e deixo-me ficar, na cama onde dorme o corpo de quem ignoro a história mas de quem sinto o calor que me arrepia por saber que dele me aproveito como se roubasse àquele livro em branco o branco que lhe resta em mim. Apago o fogo da ponta do cigarro como se de nova cruz no calendário se tratasse, como se na ampulheta dos sentimentos, menos areia restasse no lado de cima da vida. Assusto-me com a contagem desfavorável e acendo nova chama. Inspiro e expiro. Ainda respiro. (Oldmirror)

Não sei para que lado da noite me hei-de virar onde esconder de ti o rio de fogo das lágrimas quase a transbordar e acendo mais um cigarro e falo atabalhoadamente de um futuro qualquer e suspiro de alívio porque não ouves o que digo ou se calhar também não sabes onde te esconderes esperamos que se ilumine o lado certo da noite é quando se esgotam as palavras e os silêncios e a minha mão procura a tua que a recebe e a noite se unifica e todos os rios secam menos um por onde navegamos para abolir a noite.
- Carlos Alberto Machado

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