1/23/2009

318



Não haverá morte tão prazeirosa do que morrer sufocado pelas letras de um qualquer papel onde meticulosamente foi colocado o veneno ao qual deixamos de resistir. Uma receita feita de sentimentos, de combinações mortíferas de metáforas, de suicídas sinónimos e toda uma série de ingredientes sabiamente escondidos, cuidadosamente disfarçados, para que acabemos deliciosamente mortos ou perdidos na imensidão de sensações que esses torturantes objectos conseguem provocar a fracas mentes... como nós. (Oldmirror)

- ler é uma droga dura...
- A leitura é uma forma de vida. Se uma pessoa realmente se entrega à leitura, quer dizer que muda de vida e que se transforma em ‘homo lector’, que é uma variante do homem normal...
- esta variante tem umas possibilidades mentais, intelectuais, mais vastas, mas perde também muitas capacidades de outra ordem...
- Estou convencido de que a leitura me deu os maiores prazeres que tive na vida... mas também me limitou muito. Quando a leitura se apodera de uma pessoa, desde pequena, isso, pouco a pouco, transforma-a em alguém quase unilateral...
- (Espanha) um país cuja figura literária mais emblemática é, precisamente, uma pessoa que enlouqueceu por ler tantos livros (Dom Quixote). A partir daí, a maioria dos espanhóis decidiu evitar esse perigo e quase nenhum segue por esse caminho que levou Dom Quixote por tão maus passos...
- a leitura deve ser levada a sério, como uma paixão que nos arrebata... quem lê com um afã prático, para tirar uma licenciatura, para impressionar os outros, para parecer sábio, não é um verdadeiro leitor...
- o vício da leitura torna-se cada vez mais grave...
- O leitor chegou a um estado mental em que a vida, o mundo, é um obstáculo para regressar à leitura. A maioria de nós vive dentro da sua cabeça e os livros metem-se directamente connosco dentro de nós mesmos...
- os livros são também uma forma de relação com outros que não vamos conhecer de nenhuma outra maneira ou, como escreveu Marcel Proust, “a leitura é uma amizade sem a frivolidade.
- Algumas das relações mais fortes que tive na vida foi com personagens que conheci em livros...

- tal como todos os vícios, só se pode transmitir por contágio...
- esse entusiasmo ão se finge, não é possível fingi-lo...
- a todas as vidas falta muita coisa - tempo, amor - e que sofrem a humilhação de envelhecer e morrer, a leitura compensa, é o ópio que compensa e que, em certa medida, pode ser um sucedâneo infernal do paraíso...

- Fernando Savater

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1/17/2009

317



Se algum dia saires do teu canto poderás ver que há cheiros que não conheces, toques que não sentiste, cores que não misturaste. Se por acaso levantares a cabeça, verás o que nunca viste, chorarás por o que não pensaste chorar, sentirás o que julgavas não poder sentir. Experimenta não virares a página, tenta não seguires a história, imagina que a rima que se segue te-la-as que procurar bem longe de ti, onde apenas chegam aqueles que nunca souberam rimar. Experimenta não virares a página. Já tentaste fechar o livro? O que sentes agora? (Oldmirror)

Li a tua poesia uma vez mais,
poemas escritos por um rico homem, sabedor,
e por um mendigo, sem casa,
um emigrante, só.
Sempre quiseste ir
além da poesia, superá-la, planando,
mas também abaixo, onde a nossa região
começa, modesta e tímida.
Por vezes o teu tom
transforma-nos por um momento,
e acreditamos - verdadeiramente –
que cada dia é sagrado,
que a poesia - como pôr isto? –
torna a vida plena,
mais cheia, orgulhosa, ousada
de formulação perfeita.
Mas o fim de tarde chega,
eu poiso o livro de lado,
e o estrondo banal da cidade retoma -
alguém tosse, alguém chora e maldiz.
- Adam Zagajewski

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1/16/2009

316



Sugam-nos o sangue por algo que há muito morreu. Comem-nos a carne sem que acreditemos que a damos em nome do que apenas em nós ainda permanece vivo. Indicam-nos a sarjeta. Meus amigos, está oficialmente fechada a porta dos sonhos. Já não há vivos, apenas mortos e mortos-vivos. Os corvos há muito que deixaram a Torre de Londres. (Oldmirror)

...y en un café, un café de verdad
cayó el último acorde del piano.
- Gotan Project

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1/15/2009

315



Há balanços que evitamos fazer... a todo custo. (Oldmirror)

I'm leaving tonight
Going somewhere deep inside my mind
I close my eyes slowly
Flowin' away slowly
But I know I'll be alright
It's coming stronger to me
And I know someone is out there
Lead the way
Lead the way
Show me the answers I need to know

What I'm gonna live for
What I'm gonna die for
Who you gonna fight for
I can't answer that
What I'm gonna live for
What I'm gonna die for
Who you gonna fight for
I can't answer that All my life it is
It is all my love
All my life it is
I know it is a life to live lately
From above I hear
I hear the sound of them sinkin'
I feel numb, I'm alive
I know I'm getting closer

My life has had it's share of troubles
And now I found a place to go
I've said goodbye to all my troubles
'cause now I've find my place to go

Live for... die for... Fight for...
- Bryn Christopher

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1/12/2009

314



Sabão, basta sabão. E um lento massajar. Dedos que cruzam direcções. Sol, secaria ao sol, logo pela manhã. Seria o sol. Iria estica-lo, devagar, sem que partisse, sem que precisasse do arco, iria afaga-lo, ouviria nele uma qualquer suite de Bach. (Oldmirror)

Portugal é, e foi sempre, quer-me parecer, particularmente inclinado ao acatamento das possibilidades, o que contraria o acatamento da lei. A noção de possibilidade não admite o fim da possibilidade. A possibilidade é a sombra da realidade. Isto é o que nos define: a sombra da realidade.”
-Agustina Bessa-Luís

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1/09/2009

313


Se fosse escritor, escreveria como tu; se sentisse, sentiria como sentistes; se amasse, amava-te; se me faltassem as palavras seria a ti que as iria beber; se vivesse, viveria como viveste; se morresse, morreria como morreste. Há gente que vive impregnada na nossa pele, tu vives na minha. Há gente que nos corre nas veias, as minhas são tuas. (Oldmirror)
E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu não ouves e ver filmes óptimos ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e folhados e a ir ao Florent beber café à meia-noite e tu a roubares-me os cigarros e a nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa da televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo do teue sentar-me nos degraus a fumar até o teu vizinho chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até tu chegares a casa e preocupar-me quando estás atrasada e ficar surpreendido quando chegas cedo e dar-te girassóis e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás zangada e um dos teus olhos vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te quando estás ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e choramingar quando não estou e babar-me para o teu peito e cobrir-te à noite e ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender porque é que pensas que eu te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é que tu podes achar que eu alguma vez te podia deixar e pensar quem tu és mas aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de árvores-anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poemas e pensar porque é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo que para ele não existem palavras e querer comprar-te um gatinho do qual teria ciúmes porque teria mais atenção que eu e atrasar-te na cama quando tens de ir e chorar como um bebé quando finalmente vais e ver-me livre das baratas e comprar-te prendas que tu não queres e levá-las de volta outra vez e pedir-te em casamento e tu dizeres não outra vez mas eu continuar a pedir-te porque embora tu penses que eu não estou a falar a sério eu estou mesmo a falar a sério desde a primeira vez que te pedi e vaguear pela cidade pensando que ela está vazia sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tentar dar-te o meu melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tentar ser honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e esquecer-me de quem eu sou e tentar chegar mais perto de ti porque é maravilhoso aprender a conhecer-te e vale bem o esforço e falar mau alemão contigo e pior ainda em hebreu e fazer amor contigo às três da manhã e de alguma maneira de alguma maneira de alguma maneira transmitir algum do esmagador, imortal, irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e infindável amor que tenho por ti.
- Sarah Kane

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1/08/2009

312



Há meias palavras que nunca direi, assim como há palavras que apenas farei. (Oldmirror)

- O que procuras nela?
- Quero contar-lhe as sardas, Piloto. Já reparaste…? Tem milhares, e quero contá-las a todas, uma por uma, percorrendo-as com o dedo como se fosse uma carta náutica. Quero traçar rumos de cabo a rabo, ancorar nas enseadas, fazer navegação costeira na sua pele... Compreendes?
- Compreendo. Queres fodê-la.
-Arturo Pérez-Reverte

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1/07/2009

311



Há pedaços de silêncio que ecoam na memória, no ruído trazido nos gestos que se fazem sempre que o abraço é ensaiado. Há silêncio no abraço dado e ruído nas palavras que ficam por dizer cada vez que as bocas se colam num pretexto demasiado evidente dos momentos em que não acabamos sozinhos (Oldmirror)


Cuidado. O amor
é um pequeno animal
desprevenido, uma teia
que se desfia
pouco a pouco. Guardo
silêncio
para que possam ouvi-lo
desfazer-se.
-Ruy Cinatti

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1/05/2009

310



Pensei que aqui não me vias. Pensei que estaria a salvo. Que a inevitabilidade de chegares demoraria um pouco mais. Encolhi-me o mais que pude. Procurei o recanto mais escuro, mais discreto, mais desinteressante e mesmo assim chegaste até mim. Entraste sem perguntar se queria que o fizesses, sem saber se o que agora ficava para trás estava completo. Não deixaste que fizesse a mala, que arrumasse os papéis, que me despedisse convenientemente. Como se apenas mais um segundo fosse o suficiente para colocar o ponto final em tudo o que por ti fica para trás. Agora, obrigas-nos a recomeçar, e recomeçar sempre foi mais doloroso que terminar, sempre foi mais difícil do que continuar. Importas-te que fique um pouco mais? Não te podes esquecer de mim e deixar-me naquele a que, por tua causa, se chama agora 'ano passado'? (Oldmirror)
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