3/26/2009

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A asfixiante e incessante procura da definição correcta, da clareza do sentimento, aos poucos, retira-lhes espontaniedade, retira-lhes emoção, adrenalina, o prazer da incerteza. O insconstante e o descontinuado são corpos estranhos a um qualquer corpo mais habituado ao expectável, ao previsível. Somos impelidos à procura de emoções, desde que as possamos controlar. Gostamos da montanha-russa porque nos obriga a suster a respiração mas porque sabemos ter apenas que a suster durante alguns minutos, porque depois tudo volta à normalidade. Saltamos da cadeira com o filme de terror, porque o filme é mesmo ali, no ecrã...dêem-nos sangue então, quanto mais melhor. Queremos emoção, terror, acção controlada, segura, contida. Temos necessidade do plano B. Proponha-se, em vez da montanha, a roleta. Desafie-se à realização de um filme sem argumento, numa espécie de reallity-tv. Tente-se a entrada num escuro sem pré-programação. Faça-se amor, mas que ele não nos mate. Cometam-se loucuras, mas que os vizinhos não saibam. Embarque-se no desconhecido, desde que ele esteja incluído num pacote de uma agência de viagens. Assista-se a um homicídio, mas em que a caractarização possa ser removida com um qualquer creme. Foda-se de janela aberta, mas só se do outro lado não haja voyeurs.
- Eu vivi!
- Viveste?
- A minha vida dava um filme!
- Exactamente...apenas um filme. (Oldmirror)

Tinha jurado a mim mesma que não o voltaria a fazer,
Não porque não o quisesse, mas porque sempre que o fazia
Quero definir-te o que é este sentimento:
o que pertence à esfera daquilo que a razão
não domina, ou simplesmente nasce da noite,
e de tudo o que a envolve. Falo de uma
íntima relação entre os seres, de emoções
que se transmitem para além de palavras e
conceitos, de um encontro de corpos na
esfera do segredo. Dir-me-ás: "Para que
precisas de uma explicação para o amor?
"Mas é a sua inutilidade que me interessa;
a dádiva, o simples dizer que as coisas são
assim porque são, e para além disso tudos
e complica. Podes, então, rir do que te
digo; ou simplesmente dizer-me que as
palavras nada substituem, e que tudo o que
elas nos dão está a mais. Mas o amor
pertence-nos. Não o podemos deitar fora;
nem fingir que não existe, como não existe
o infinito, a transcendência, a abstracção
divina, para quem só crê no concreto. É
verdade que o amor não se vê: o que vejo
são os teus olhos, a ternura súbita das
suas pálpebras, e o que elas abrem e
escondem numa hesitação de luz. Eis, então,
o que define este sentimento: um intervalo,
uma distracção do tempo, a divina abstracção
do infinito na transcendência do real.
- Nuno Júdice

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3/19/2009

324



To be or not to be a fortune teller. To become or not, in loved. To tell or not to tell that we have a fortune and yet we have nothing. To love or not to love, as an act of fortune. To tell...(Oldmirror)

Went to the fortune teller
To have my fortune read
I didn't what to tell her
I had a dizzy feeling in my head
Said she'd take a look at my palm
Said "Son do you feel kind of warm?"
And she looked into her crystal ball
Said "You're in love."
Said it could not be so,
Not with all the girls I know.
Said when the next one arrives
Looking into her eyes.
I left there in a hurry
Much to my big surprise
The next thing I discovered
The fortune teller told me lies
So I ran back to that woman
Mad as I could be
Told her I didn't see nobody
How she made a fool out of me
At last something shook me
As if it came down from above
And now the fortune teller
And I fell in love...
- Naomi Neville to Robert Plant/Alisson Krauss (Raising Sand)

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3/16/2009

323


Era sempre com sabão. Há muitos anos que sabia que o seu sonho era visitar Paris. E navalha, fazia-a sempre com uma reluzente navalha. Queria ver a luz da Cidade Luz. Não conhecia mais ninguém que ainda o fizesse daquela maneira tão antiga e pouco prática. E Versalhes. Tinha ainda um pequeno recipiente cromado e uma cinta de couro para afiar a lâmina. Nunca tive tempo para o levar até lá, fui adiando, ele nunca o pedira. Lembro-me de o ver passar longos minutos a escanhoar a barba depois de ter suavizado a pele com uma toalha húmida e quente. Podia tê-lo feito, nas inúmeras visitas que fiz a Paris, podia ter tirado uns dias e levá-lo até lá. Não me recordo de o ver fazer sangue, tal era a paciência e a precisão. Quando secava a pele e depois de lhe espalhar "pedra", os olhos brilhavam de satisfação. Fiquei para sempre com esse peso em cima de mim. Era um homem bonito, corpulento, ficava-lhe perfeita a camisola interior de alças, num ar clássico, a preto e branco apenas possível num imaginário distante. Passou a última semana da sua vida numa cama, sem poder mais sonhar com Paris, gostava de o ter levado. Aprendi a fazer aquela espuma espessa. Nunca mais me falou nisso, nem em Versalhes, nem no Louvre. Ele estava magro e eu nunca tinha experimentado ter uma navalha na mão, mas fi-lo. Talvez o tivesse feito para lhe pedir desculpa. Apanhei-lhe o jeito, tornei-me eficiente e até em casa pratiquei em mim mesmo. Todos os dias, sentava-o na cama e repeti o ritual. Despediu-se sem ver a Luz. Despedi-me fazendo-lhe a barba, exactamente como sempre a fizera. E sem Paris, os olhos mantiveram o brilho até ao fim. (Oldmirror)

3/05/2009

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Primeiro foi o livro, depois o jornal. Cansei-me, ouvi música, bebi vinho, olhei a rua deste lado da janela, descobri o espelho onde brinquei com o rosto, liguei a televisão, olhei o relógio, naveguei pelo portátil. Primeiro foram os lençóis, depois o travesseiro e o longo limpar dos óculos. Experimentei roupa interior, troquei a manta, arrumei a mesinha. Experimentei-me sem roupa, ensaiei poses sensuais, ri-me e...depois chorei quando o dia nasceu e me lembrou que a última vez que a porta abrira fora para saíres e não para voltares a entrar. (Oldmirror)


You get so alone at times that it just makes sense.
- Charles Bukowski

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3/02/2009

321



Há dias em que apostaria tudo para não perder nada. (Oldmirror)

Hoje de manhã, ao acordar,
pensei:
hoje, o amor vai assaltar-te
embora não soubesse como ele é
nem o que vale.
- Jürgen Theobaldy

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