10/30/2006

153



Há muito de inevitável, sem bem que inexplicável, naquilo que sabemos deveria acontecer. Mesmo que o brilho se apague será possível viver sem ele porque na escuridão também sabemos bem qual a direcção que nos empurra para esse desejo, para essa necessidade de partilhar uma igualdade que apenas fará sentido se recusarmos a distância, se recusarmos manter-nos fora do alcance, mesmo que fiquemos sem brilho. Há muito de inevitável na história que só agora começou a ser escrita. (Oldmirror)

In youth's spring,
it was my lot
To haunt of the wide earth a spot
To which I could not love the less
So lovely was the loneliness
Of a wild lake, with black rock bound
And the tall trees that towered around
But when the night had thrown her pall
Upon that spot as upon all
And the wind would pass me by
In its stilly melody
My infant spirit would awake
To the terror of the lone lake
My infant spirit would awake
To the terror of the lone lake
Yet that terror was not fright
But a tremulous delight
And a feeling undefined
Springing from a darkened mind
Death was in that poisoned wave
And in its gulf a fitting grave
For him who thence could solace bring
To his dark imagining
Whose wildering though could even make
An Eden of that dim lake
But when the night had thrown her pall
Upon that spot as upon all
And the wind would pass me by
In its stilly melody
My infant spirit would awake
To the terror of the lone lake
My infant spirit would awake
To the terror of the lone lake
Springing from a darkened mind
So lovely was the loneliness
In youth's spring, it was my lot
In its stilly melody
An Eden of that dim lake
An Eden of that dim lake
Lone, lone, lonely...
- Edgar Allen Poe

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10/22/2006

152



- Se ninguém morreu, então trata-se de ti.
Mas se sentes que vais morrer, quero estar contigo.
Quando morri não tive ninguém por perto...
Portanto, se é a sério, há um programa para o dia em que se morre.
Primeiro rir com imbecis, depois há uma coisa a dizer a alguém, uma coisa que queiras dizer mesmo, boa ou má, uma coisa que nunca disseste. Porque no dia em que morres tens total liberdade de palavra.
- Como foi, o dia em que morreste?
- Isso já passou. Já me recompus. Já não há nada a dizer. Graças a Deus.

Como eu desejo a que ali vai na rua,
tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
Desejo errado... Se eu a tivera um dia,
toda sem véus, a carne estilizada
sob o meu corpo arfando transbordada,
nem mesmo assim – ó ânsia! – eu a teria...
Eu vibraria só agonizante
sobre o seu corpo de êxtases dourados,
se fosse aqueles seios transtornados,
se fosse aquele sexo aglutinante...
De embate ao meu amor todo me ruo,
e vejo-me em destroço até vencendo:
é que eu teria só, sentindo e sendo
aquilo que estrebucho e não possuo.
- Mário de Sá-Carneiro

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151



Como me pude atrever? Como foi que acabei por prometer meras palavras se era o livro que devia oferecer? Desde o primeiro sopro em resposta ao meu respirar que as palavras se esgotaram, ficaram os sentidos, ainda por definir. Desde o primeiro sopro que sinto que as palavras que outrora me pertenciam dividem-se agora entre o que digo e o que sei que ouvirei. (Oldmirror)

Nem sombra nem luz
Nem sopro de estrela
Nem corpinhos nus
De anjos à janela
Nem asas de pombos
Nem algas no fundo
Nem olhos redondos
Espantados do mundo
Nem vozes na ilha
Nem chuva lá fora
Que eu não vou embora
- A. Lobo Antunes

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10/19/2006

150



Agradecer torna-se obrigatório depois de vos ler. Ao ler-vos noto, quase sempre, que a distância que me separa de tudo o resto se esbate um pouco mais, que o cepticismo que inunda a minha existência me dá algum espaço para respirar. Porque há quem sinta, há quem explique um pouco mais, quem consiga remexer em pedaços de pele arrancados em desespero para ir mais além em mim, para chegar a este ser sem, no entanto, o tocar. Um obrigado é necessário quando nos sentimos um pouco mais nas respostas do que nas perguntas que formulamos, quando em casa lemos, sem respirar uma gota de ar, os recados colados na janela onde apenas continuam a espreitar os olhos de quem aceita que o que digo se deve àquela loucura inútil que faz de mim uma mera reticência. (Oldmirror)

...Por no jardim da noite, a horas más,
A tua aparição não ter faltado,
Pelo teu braço de silêncio e paz,
Obrigado!
Por não passar um dia em que eu não diga
— Existo, sem futuro e sem passado.
Por toda a sonolência que me abriga...
Obrigado!
E tu, que hoje és meu íntimo contraste,
Ó mão que beijo por me haver cegado!
Ai! Pelo sonho intato que salvaste,
Obrigado! Obrigado! Obrigado!

- Pedro Homem de Mello

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10/18/2006

149



Já devia ter aprendido que há limites. Devia saber que quem contempla a linha do horizonte e se deslumbra dificilmente arriscará a desilusão de conhecer o que está para além do olhar, dificilmente fará mais do que esboçar uma felicidade construída por trás do olhar. Deveria ter aprendido que há limites. Que quase sempre quatro paredes, uma cidade, um acordar e um adormecer, um filho, um amor alternativo, são suficientes para a ilusão de uma vida vivida. Devia aceitar que há limites. Há limites pintados naquela vida que nunca chegará a conhecer a necessidade do incerto mas a fantasia de uma vida. Há limites naquela vida, recusados mas vividos. Não dá mais, não consegue, são os limites. Já devia ter aprendido que há limites. (Oldmirror)

A vida prejudica a expressão da vida. Se eu tivesse um grande amor nunca o poderia contar. Eu próprio não sei se este eu, que vos exponho, por estas coleantes páginas fora, realmente existe ou é apenas um conceito estético e falso que fiz de mim próprio. Sim, é assim. Vivo-me esteticamente em outro. Esculpi a minha vida como a uma estátua de matéria alheia ao meu ser. Às vezes não me reconheço, tão exterior me pus a mim, e tão de modo puramente artístico empreguei a minha consciência de mim próprio. Quem sou por detrás desta irrealidade? Não sei. Devo ser alguém. E se não busco viver, agir, sentir, é - crede-me bem - para não perturbar as linhas feitas da minha personalidade suposta. Quero ser tal qual quis ser e não sou. Se eu cedesse destruir-me-ia. Quero ser uma obra de arte, da alma pelo menos, já que do corpo não posso ser. Por isso me esculpi em calma e alheamento e me pus em estufa, longe dos ares frescos e das luzes francas - onde a minha artificialidade, flor absurda, floresça em afastada beleza.

- "Bernardo Soares"

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10/17/2006

148



Se a tivesse vendia-a já! (Oldmirror)

Fechar no punho os estilhaços
os fragmentos que conservo do teu nome
e permitir que o corte se prolongue
pela mão
pelo braço
pelas têmporas
até que a repetida sentença da carne
atravesse a cartilagem e o osso
e se consuma no rito de um flagelo
apenas comparável à tua ausência.

- Laura C. Skerk

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10/16/2006

147



normal

do Lat. normale

adj. 2 gén.,
.......conforme à norma ou à regra comum;
.......que serve de regra, de modelo;
.......exemplar;
.......habitual;
.......ordinário;

s. f.,
......linha perpendicular à tangente ou ao plano tangente, no ponto de contacto;
......recta perpendicular a um plano.


Felizes os normais, esses seres estranhos.
Os que não tiveram uma mãe louca, um pai bêbedo, um filho delinquente,
Uma casa em parte nenhuma, uma doença desconhecida,
Os que não foram calcinados por um amor devorador,
Os que viveram os dezassete rostos do sorriso e um pouco mais,
Os cheios de sapatos, os arcanjos com chapéus,
Os satisfeitos, os gordos, os lindos,
Os rintimtim e os seus sequazes, os que como não, por aqui,
Os que ganham, os que são queridos até ao fim,
Os flautistas acompanhados por ratos,
Os vendedores e seus compradores,
Os cavaleiros ligeiramente sobre-humanos,
Os homens vestidos de trovões e as mulheres de relâmpagos,
Os delicados, os sensatos, os finos,
Os amáveis, os doces, os comestíveis e os bebíveis.
Felizes as aves, o esterco, as pedras.
Mas que dêem passagem aos que fazem os mundos e os sonhos,
As ilusões, as sinfonias, as palavras que nos desbaratam
E nos constroem, os mais loucos que as suas mães, os mais bêbedos
Que os seus pais e mais delinquentes que os seus filhos
E mais devorados por amores calcinantes.
Que lhes dêem o seu sítio no inferno, e basta.

- Roberto Fernández Retamar

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10/15/2006

146



Sim, eu sei, por vezes precisamos de ser normais, precisamos do que todos precisam, precisamos de esquecer que nunca seremos normais, que nunca chegará o que têm os comuns dos mortais. O que escolherias? A dor ou o nada? O que querias, o possível ou o impossível. Por vezes precisamos de ser normais. Por vezes precisamos de tornar o abraço, eterno; o amor, permanente; o sonho, realidade; a diferença, despercebida. Há dias em que acordamos e não queremos esta vida feita de valetas e de tronos, deste bater do coração que não nos deixa descansar, desta procura incessante que nos faz encontrar e perder. Por vezes gostariamos de ser como os outros, que não o são mas acreditam se-lo, como os outros que nunca sonharam que é possível ser outra coisa. (Oldmirror)

Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigante
se de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar

- Almada Negreiros

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10/12/2006

145



Surge em forma de anúncio solene: "deixarei o teu nevoeiro". Na verdade, não o poderá fazer. O nevoeiro entra-nos nos ossos, instala-se no corpo, tranforma-nos numa espécie de faróis que apenas se acendem quando ele aparace. O nevoeiro permite-nos a dúvida, a silhueta, a visão única de quem nunca se mostrará por inteiro. No nevoeiro podemos ser nós sem o sermos totalmente. O nevoeiro guarda segredos. "Deixarei o teu nevoeiro", é-nos dito sem que se explique como sobreviverá o corpo na transparência, na claridade de um dia que não permite arco-iris, apenas luz, muita luz, demasiada luz para uns olhos habituados à ténue presença e não à incómoda permanência. (Oldmirror)

Chega o momento
em que a vida de cada homem
é uma derrota assumida.
É uma verdade
que todos sabemos.

- Marguerite Yourcenar

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10/11/2006

144



Ficaremos por aqui porque daqui nunca saímos a não ser para dar o primeiro passo. Nunca fomos além porque o além não chegaria e iríamos querer mais, sempre mais. Demos o primeiro passo numa queda anunciada que, de novo, tentámos ignorar. Tivemos as nuvens mas quisemos tocar as estrelas, acabamos com as mão escondidas na terra sem que nunca tivessemos provado esse pedaço de céu que estava ali, à distância de um toque. Resta agora a imaginação. Resta a memória de um único passo e a saudade de termos estado perto, muito perto, de conhecermos mais, muito mais. (Oldmirror)

Um dia compreendeu como seus braços eram
Somente feitos de nuvens;
Impossível com nuvens abraçar até ao fundo
Um corpo, uma sorte.
A sorte é redonda e conta lentamente
As estrelas do estio.
Fazem falta uns braços seguros como o vento,
E como o mar um beijo.
Mas ele como seus lábios,
Com seus lábios não sabe se
não dizer palavras;
Palavras até ao tecto,
Palavras até ao solo,
E seus braços são nuvens que transformam a vida
Em ar navegável.

- Luis Cernuda

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10/07/2006

143



- Ainda não foi desta que encontraste o que procuras?
- Não, não foi desta.
- Mas estavas tão perto.
- Quando chegamos perto podemos ver melhor as imperfeições.
- Mas existe o perfeito?
- Penso que não.
- Então, para que o procuras?
- Se não o fizer não encontrarei a melhor das imperfeições.
- O que falhou desta vez?
- O que falhara antes.
(Oldmirror)

Only themselves understand themselves, and the like of themselves,
As Souls only understand Souls.

- Walt Whitman

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10/04/2006

142



Instala-se a dúvida no leitor. Tapar os olhos com as mãos é a mais forte possibilidade uma vez que por entre os dedos há sempre um olhar discreto e pouco comprometedor. A fuga sem regresso é uma solução colocada de imediato, no entanto, ficará a dúvida sobre as palavras, ficará a memória presa na imagem, insistirá a curiosidade para que voltemos ao lugar escuro e fumarento tentando descobrir a banda sonora de tamanho arrojo, de inesperado atrevimento. Procuramos, sem êxito, direccionar a atenção para o texto. Procuramos nas entrelinhas a chave que abrirá a gaveta das respostas. Uma gota de suor vai escorrendo pela testa misturando-se com uma gota de desejo que percorre o sentido contrário. Não vemos nada, não descobrimos nada. Recuperamos o olhar na imagem e nas palavras. Aumentam as suspeitas: loucura, perversidade. Lemos de novo. Olhamos de novo. Desistimos por hoje sem saber se voltaremos. Estamos deitados, a insónia apodera-se do corpo e a mente regressa ao quebra-cabeças. Olhamos para o lado. Outro corpo dorme. Admiramo-lo sem barulhos. Talvez a resposta esteja ali. Fazendo-o, não lendo-o, não vendo-o. (Oldmirror)

...Uma erecção abstracta e indirecta no fundo da minha alma.
...Cai comigo sem forças no chão,
Esbarra comigo tonto nas paredes,
Parte-te e esfrangalha-te comigo
Em tudo, por tudo, à roda de tudo, sem tudo,
Raiva abstracto do corpo fazendo maelstrons na alma...
...Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!
Puxem a casa toda para cima de mim!
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo,
Quero correr como a chuva pelas paredes abaixo,
Quero ser pisado nas estradas largas como as pedras,
Quero ir, como as coisas pesadas, para o fundo dos mares,
Com uma voluptuosidade que já está longe de mim!
Não quero fechos nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doida de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar a casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!
Não quero intervalos no mundo!


- Álvaro de Campos

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10/03/2006

141



Mantém-se em trânsito. Não desfaz as malas. Aterra por breves instantes para logo retomar o take-off. Indiferente a jet-lags insiste em manter-se acima das nuvens recusando o cinzento por baixo delas. É o primeiro a ver o nascer e o pôr do sol. Nunca houve ninguém que o conseguisse ver ao seu lado. São demasiadas as vertigens e os pés na terra revelam-se vitais. Deixou de carimbar passaportes. As tempestades e os relâmpagos sentem-se com mais força a 50 mil pés, mas é um preço que paga sem hesitar. (Oldmirror)

[ Night
Nighttime intermission
Personal inquisition
Nocturnal emission
Just talking to myself ]

Melancholy
Aviation
Chocolate
Perfume
Cigarettes
Frequent flyer
Stow away
Deslocation
Sleeping
Jets
Wave goodbye
Feel homesick
Tranquilizers
Bill of fare
Cry easy
DVT
Disappear into thin air

We wish you a very pleasent flight
This is a journey to the center of the night
And the inflight entertainment's out of sight
here on AF607105

Time diference
You're waking
Chase the sun into your eyes
Sleeping cities
Dust hotel rooms
Passengers look to the skies
Fly over
Your lifetime
And never touch down
My heart
Is breaking
Somewhere over Saskatchewan

Your life in
The wrong hands
Savannah and frozen wastes.

- Jarvis Cocker/Charlotte Gainsbourg

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