10/31/2005

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[Foto by Oldmirror]

Antes que o digas vou saindo sem dares por isso.
Fecho a porta antes de acordares.
Limpo a memória para que não o recordes.
Arrumo a sala. Assim não tens que apanhar pedaços nossos.
Despejo o lixo. Poupo-te o trabalho de me encarares.
Antes que o faças vou encolhendo os ombros.
Aconchego o casaco para que não me aqueças.
Atiço o lume para que as sombras me cubram os olhos.
Abro o livro. Não te abro a ti.
Bebo um trago. Não me bebas a mim.
Travo o fumo. Evito o suspiro.
Encerro a noite.
Estou de costas.
Não precisas de me olhar.

(Oldmirror)

10/27/2005

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[Foto by Louisa Schlepper]

Even if I am in love with you
All this to say, what's it to you?
Observe the blood, the rose tattoo
Of the fingerprints on me from you
Other evidence has shown
That you and I are still alone
We skirt around the danger zone
And don't talk about it later

Marlene watches from the wall
Her mocking smile says it all
As the records the rise and fall
Of every soldier passing
But the only soldier now is me
I'm fighting things I cannot see
I think it's called my destiny
That I am changing

Marlene on the wall

I walk to your house in the afternoon
By the butcher shot with the sawdust strewn
"Don't give away the goods too soon"
Is waht she might have told me

Marlene watches from the wall
Her mocking smile says it all
As the records the rise and fall
Of every man who's been here
But the only one here now is me
I'm fighting things I cannot see
I think it's called my destiny
That I am changing

Marlene on the wall

- Suzanne Vega

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10/24/2005

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[Foto by Krzych Borowski]

Mais um. Depois outro. Vão passando. Ficando para trás. Não foram usados. Não foram vividos. Existiram, apenas. Pergunto-me: até quando? Não ouço a resposta, não me interessa. Outro ainda. Promessas. Pergunto-me: foi sempre assim? Não preciso da resposta, já a conheço. Flutuo nos dias. Plano nos amores. Mergulho nas palavras. Enterro-me na música. Mesmo assim...mais um, depois outro. Sempre passaram, sempre fiquei, nunca me levaram. (Oldmirror)

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça.
Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

- Cesário Verde

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10/19/2005

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[Paint: "Cast me aside" by Lara Fairie]

Sem despedidas. Sem retornos. Sem nada. De braços caídos. Despojado de afectos ou agasalhos chega a altura de caminhar. A estrada é alta. O caminho sinuoso. O vento corta o rosto e ensurdece a coragem molhada pela chuva que já caiu e amoleceu os ossos. Dias. Meses. Anos. Durará uma vida que não chegará para chegar. Um olhar para baixo e uma vontade enorme de cair de joelhos e parar. Só um passo foi dado. (Oldmirror)

Partiste. O rio subiu até ao meu portão.
As cigarras calaram-se nos ramos cobertos de geada.
Agora regresso ao portão, mas o tempo mudou.
Como sempre os meus pensamentos são-te dirigidos.
Estás tão longe como a Estrela Polar e a Primavera,
Notícias tuas nunca se dirigem para sul.
Quantas vezes, nos meus sonhos, vejo terras distantes
- Encontraste outro amigo? Espero que não.
...
O regresso foi promessa vã, partiste, sem deixar rasto;
O luar desliza sobre o telhado, já soa a quinta hora.
Sonho de despedidas longínquas, apelos ignorados,
Apresso-me a terminar a carta, mas a tinta não espessa.
A luz da vela semi-cerca águias-marinhas, bordadas a ouro,
O cheiro a almíscar que os nenúfares bordados exalam.
O jovem Liu queixa-se que a Montanha dos Imortais é longe.
Depois da Montanha, cimo após cimo, dez mil montanhas se levantam.

- Li Shang-Yin

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10/13/2005

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[Foto by Oldmirror. Eslovénia.05]

O que daria por um minuto a mais de nós. Um minuto que seja de uma casa que foi nossa. De um descanso que partilhámos. De um entrelaçar de pernas que nos abriu uma janela de um futuro que afinal não existiu. Voltaria atrás, faria igual, faria diferente. O que daria para não ser o que sou, para não seres o que és, para sermos o que fomos, o que somos. Como as folhas caímos, como as flores e a cigarra vivemos. Mas existiremos para sempre. Seremos para sempre qualquer coisa que nos incomoda à flor da pele, que nos mantém as borboletas no estômago, que nos impede do sorriso aberto, que se esconde mas está presente sem que o consigamos tocar, olhar, dizer. Ultrapassar. (Oldmirror)

Que quer dizer a mágoa sempre que se deixa
fazer sentir, quando se afasta depois
de ocupar os únicos sítios? O que quero
dizer fica menos veloz. A evitar o azul branco
do céu sobre mim, a visitar esta terra só
de inverno. Seria inútil começar agora
uma conversa mais explícita, talvez
sobre o ritmo exigente da cidade em que estás
ou sobre a actividade quase perfeita das criança
sem redor. Prefiro calar-me, sentir o vento
que vem do mar, rir um pouco tropeçando
na madeira corroída.
De pouco serve escutar assim as vozes
já tão cansadas, antes a cuidadosa escolha
das tábuas a pôr na casa vazia. Depois
falaste-me de um eco, de um barco inclinando-se,
da casa que não tens.
Esgota-se o que mais falta. Que vamos
dizer? Está bem amo-te. E ao fogo
acabando na cinza, à manhã que não existe.

- Helder Moura Pereira

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10/12/2005

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[Foto by Oldmirror]

Procuro a música, procuro as palavras, procuro as cores que reproduzam os sentimentos que crescem sem pedirem licença, sem saberem como é sobreviver aqui fora, fora do peito onde se abrigam.
Fecho a porta, abro a porta. Faço-o repetidamente, sem que saiba se estou a entrar ou a sair. Sem saber se quero entrar, se prefiro sair. Não vejo luz. Não encontro sinais.
Subo e desço as escadas. Faço-o indeciso. Não sei se as subires se a porta estará aberta. Não sei se as descer, as poderei voltar a subir.
Procuro fechar os olhos. Esforço-me por me lembrar de tudo. Como foi? O que senti? Como era aquele corpo onde me encontrei? Era quente, suave. Sinto frio, estou cansado. (Oldmirror)

10/11/2005

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[Foto by Lise Sarfati/Magnum]

Prefiro ficar aqui. Prefiro escrever sem destino. Prefiro não ver nem ser visto. Não há nada para ver a não ser os dedos cansados de tanto procurar a palavra que descreva o que sou. Onde estou. Não há nada para dizer a não ser que ainda não encontrei a frase que conte a vida que não escolhi. Não há nada para conversar a não ser que ainda não descobri o verso que vai pintar a cores o que me arde cá dentro. Prefiro ficar aqui enquanto os meus dedos puderem. (Oldmirror)

Porque é que nunca te vemos, dizem-lhe eles, porque é que te enterras naquele buraco, longe dos amigos, das festas, das distracçõe se dos prazeres, sai, vê pessoas, mostra-te, pelo menos dá um sinal de vida. Vejam, diz ele ,levanto-me às cinco da manhã bebo um café apago e escrevo seis ou sete linhas e eis que o dia se foi e a noite cai e apaga tudo.

- Amos Oz

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10/08/2005

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Tenho um amigo que deixou no fim de semana passado de ser lisboeta, ou aqui da "zona". Mudou-se para o Norte. O facto em si nao tem nada de relevante-mas tem este sinal de esperança: foi por amor que ele mudou. Enquanto houver um único ser humano que mude toda a sua vida por amor, vale a pena ter esperança.

- Pedro Rolo Duarte (DNA)

Amo-te tanto que te não sei amar, amo tanto o teu corpo e o que em ti não é o teu corpo que não compreendo porque nos perdemos se a cada passo te encontro, se sempre ao beijar-te beijei mais do que a carne de que és feita, se o nosso casamento definhou de mocidade como outros de velhice, se depois de ti a minha solidão incha do teu cheiro, do entusiasmo dos teus projectos e do redondo das tuas nádegas, se sufoco da ternura de que não consigo falar, aqui neste momento, amor, me despeço e te chamo sabendo que não virás e desejando que venhas do mesmo modo que, como diz Molero, um cego espera os olhos que encomendou pelo correio.

- António Lobo Antunes

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10/07/2005

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[Foto by Bruce Barrien]

Sempre assim foi. Tocamo-nos sempre que cada letra se eterniza no papel. Sempre foi assim. Muito do amor que fizémos fez-se de palavras. A escrita é para nós a música que embala os corpos dos amantes. Sempre o foi. Sempre fizémos das letras de prosa e poesia o champanhe e os morangos que refrescam o calor de um sentimento insuportavelmente arrebatador. (Oldmirror)

Entregámo-nos
um ao outro
dentro dos lençois
brancos
a tarde
na posiçao mais
ortodoxa
e agora sabemos
e nao sabemos
um do outro
escrevemo-nos
escrevemos

- Adília Lopes

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10/06/2005

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[Foto by Oldmirror. Pisa.04]

Não te deixarei morrer em mim. Não deixarei que saias de mim. Impedirei a despedida mesmo que ela já tenha sido feita. Guardar-te-ei aqui apesar de aqui não morares. Escolhi escolher-te e isso não posso mudar. (Oldmirror)

Estendeste-me a mão e disseste-me com a cabeça baixa: «Adeus, peço-lhe desculpa» e senti nos meus braços uma grande vontade de te puxar para mim, de te apertar contra o meu coração; nos meus braços, o gesto parecia tão fácil: fácil de fazer, e fácil de desfazer, um gesto transparente e exactamente igual a si próprio. Mas deixei os braços caídos ao longo do meu corpo. Um gesto, e Jacques está morto. Um gesto, e qualquer coisa de novo aparece no mundo, qualquer coisa que eu criei e se desenvolve fora de mim, sem mim, arrastando atrás de si imprevisíveis avalanches. «Ele apertou-me nos braços.» Sentia já nos teus olhos a minha cara que me escapava; que se tornara já no teu coração o acontecimento opaco com que eu acabava de carregar o teu passado. Apertei a tua mão com indiferença; deixei-te ir embora sozinha pelas ruas em festa; ias a chorar mas eu não sabia. E fui-me embora, pelo meu lado, julgando-me também sozinho e acariciando a meu modo um vago remorso. Como se todos esses beijos que não te dei não nos tivessem prendido um ao outro com tanta força como os abraços mais ardentes; com tanta força como esses beijos que já não voltarei a dar-te, como essas palavras que nunca mais te direi e que me ligam a ti para sempre, tu, meu único amor.

- Simone de Beauvoir

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10/04/2005

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[Foto by Oldmirror. Auschwitz.03]

Um dia chegou à janela e disse-me adeus. Nunca nos tínhamos visto mas ela que sabia o mistério dos meus silêncios, veio para mim e estendeu-me as mãos humildemente. Fomos para um jardim e sentámo-nos sobre a relva. Dissemos tudo o que era preciso para sermos um do outro.
Todos os dias descobríamos um divertimento. Uma vez fomos para o campo e ela dava-me os seus olhos enquanto eu repetia insistentemente o nosso nome. Outra vez fomos para as dunas. Tivemos de ir de barco. Estendido no convés eu mergulhava a mão esquerda na água.
À noite, deixava-a sonhando com a grande viagem que lhe prometia e ia para um café beber com um músico que viajara pelo mundo. De madrugada, eu e o músico saíamos para a rua e de aventura em aventura eu falava-lhe dela, esperando que ela viesse com o sol, e com o sol eu desejasse outro dia.Depois, parti. Ela pediu-me que lhe dissesse até à vista.
Deixei um nome na cidade e jamais reencontrei esse nome. Mas o meu nome, que é o nome de todas as minhas coisas, que é o nome de todas as minhas vidas, não o encontrei.

- Fernando Alves dos Santos

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10/03/2005

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[Foto by DreamingInTheTheatre]

Ainda existes em mim. (Oldmirror)

Enquanto a sombra repetir no chão o teu corpo inteiro eis que te encontras vivo e completo.

- Gonçalo M. Tavares

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