10/29/2008

304


Sem nada para dizer, com pouco mais para voar, sento-me e olho. Vejo o bater das asas de quem ainda o faz, olhos nos rumos traçados, nas idas e voltas, nos caminhos trocados, nas direcções cruzadas, nos encontros e desencontros de quem faz ainda do vôo a procura constante do ninho. Sem nada para dizer, não digo. Oiço. Oiço promessas, esperanças, optimismos e pessimismos. Oiço queixas, sonhos desejos, oiço-te até a ti que ainda gritas por aquilo em que acreditas. Não digo. Voar e falar. Destinos por atingir, emoções demasiado grandes para se manterem na garganta. Foi bom. Agora é melhor. (Oldmirror)

Asas que fossem, tuas
mãos podiam
tocar a íntima
nervura do silêncio.
- Albano Martins

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10/23/2008

303



.
.
I'm
not
completely
worthless,
I
can
be
used
as
a
bad
example!

.
.
.
.

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10/20/2008

302


A caneta que constantemente se desvia do seu caminho, procurando a história que não era para ser contada, recusando obedecer às ordens de quem quer inscrever na história, páginas de filigrana literário. A caneta rebelde que prefere ir seguindo para as frases mais dolorosas como se de um objecto masoquista se tratasse, sabendo, no entanto, que são masoquistas os dedos que a seguram. O enredo é sacrificado por um emaranhado de pulsações visíveis a olho nú no pulso do escriba, no coração do autor que, impotente, vai seguindo o caminho traçado pela caneta irrequieta, como se fosse uma criança encandeada pela luz do proibido. Já longe da filigrana, escravo de um destino traçado por outrém, o escritor flutua no epicentro de uma tempestade que arrepia, envolve e aquece. A mão trémula parece, agora, demasiado pequena para agarrar aquela bússola que tudo faz menos encontrar o Norte. Nunca conseguiria escrever o seu destino. (Oldmirror)
...Durante meses não lhe respondi. Porquê? Porque não podia escrever senão à Ellen, à Ellen: toda a outra correspondência me era intolerável. (Escrever a outros quando me podia dirigir a ela?!) E o resultado? Ei-lo: não me matei em conferências e artigos para magazines. Qual o resultado pecuniário, esse recuso a ponderá-lo... Mas, agora, que acabei a peça (em borrão), tentarei ganhar algum dinheiro suplementar - não que me apeteça, mas fui sempre tão inábil para o forjar que ninguém me tira a ideia de que estou à beira da falência...
Mas em verdade é só a Ellen, a ellen, a Ellen, a felicidade, a tranquilidade, a paz, o refúgio, a consolação de amar a querida Ellen - vá, acrescente: 'e de ser amado por ela' (uma mentira custa tão pouco...) - o meu único tesouro...
...Tornei a sentar-me para lhe escrever. As chamas esmorecem na lareira; este frio cortante é-me propício, suponho, já que por compleição sou um homem do Norte, mas espero que a Ellen esteja quentinha como uma ilha ao sol, amadornada no Mediterrâneo. Agora que terminei a peça só me resta beijar, enfim, a minha Ellen, e morrer.
- Carta de amor de Bernard Shaw a Ellen Terry

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10/14/2008

301



Tu não vais a lado nenhum,
que eu ainda não acabei de te amar!

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10/10/2008

300



Não nos cruzamos em terra, provavelmente cruzar-nos-emos nos céus rumo a continentes afastados pelo calor, pela temperatura da cerveja e pelos tons de pele. Haverá um tempo em que será inevitável aterrarmos, ficarmos em terra e cruzarmos a vontade única de nos cruzarmos e pelo menos sentirmos a mesma temperatura, nos mesmos corpos. Irá chegar o tempo em que os fusos horários dos relógios de pulso indicarão o tempo exacto, da hora chegada, sem hora de partida. (Oldmirror)

Paris, 23 de Julho de 1759
... Boa noite, minha Sofia. Parto cheio de alegria, da alegria mais doce e pura que um homem pode sentir. Sou amado. Sou-o pela mais digna das mulheres. Estou a teus pés - aí é o meu lugar -, e a beija-los.
Paris, 21 de Outubro de 1759
... Mas molda-te aos meus defeitos - sou já demasiado velho para me emendar. E ser-te-á mais fácil, a ti, teres uma virtude a mais do que eu um defeito a menos...Em certos aspectos valho alguma coisa. A ti, sinto-te, amo-te, escuto-te, olho-te, acaricio-te, e contigo tenho o género de vida que prefiro acima de tudo. Se me acolhes nos teus braços, a minha felicidade é inultrapassável. Há quatro anos pareceste-me bela; hoje acho-te bela mais ainda. eis a magia da constância, a mais difícil e a mais rara das virtudes.
- Cartas de amor de Diderot a Sophie Volland

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10/03/2008

299


Desta vez, Machado, não foi o sono que te surpreendeu. (Oldmirror)
Lavei os dentes e voltei para a cama. Li algumas páginas de Bradbury sobre marcianos. Meu bom Bradbury, companheiro das estrelas, filho de Deus esquecido na Terra, a que bolsos sem fundo vais buscar os teus tostões de poesia? Peguei a seguir num livro de poesias de Rilke, mas comecei a sentir as pálpebras pesadas. Não me iludi. Para mim, sentir as pálpebras pesadas não é a certeza de dormir. Muitas vezes, fico de olhos fechados, esperando que o sono venha, muito quieto, para que o sono me surpreenda. Continuei a ler Rilke como quem lê fórmulas de medicamentos ou um jornal às avessas. A certa altura, pressenti que o sono chegava. Lá vem ele, o velho e renitente amigo, o estupor.
- Dennis McShade [Dinis Machado]

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298


Correu para a gaveta. Foi rebuscando, aumentando a desordem que ela sempre encerrara. Tirou o fio do norte. Cortou o suficente para que lhe desse a volta ao pescoço. Empurrou com força a gaveta. Correu para o armário. Entrou nele. Acendeu a pequena lanterna. Sentou-se com a caixa da costura no seu colo escolhendo no frasco dos botões os maiores e mais coloridos. Encheu o fio do norte com os botões, grandes e coloridos. Fechou a pequena lanterna. Saiu do armário olhando para aquilo que se assemelhava a um colar. Sabes, já não tenho medo de fechar os olhos, acabei de inventar um espanta-sonhos...maus. (Oldmirror)
Assoam-se-me à alma
quem como eu traz desfraldado o coração
sabe o que querem dizer estas palavras.
A pele serve de céu ao coração.
- Luís Miguel Nava

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10/02/2008

297



PARA O ARTUR
Foda-se pá, morreste na altura errada. Havia muito que fazer agora. Não queres reconsiderar? Falta-nos aquela cerveja, aquela jantarada. Falta-nos ainda muito jogo pela frente, muito barulho dos pavilhões. Há demasiadas páginas a preencher, alguns caracteres para escolher. Fazes falta, por aí. Vá, anda, dou-te boleia, e prometo que só saímos depois do almoço. Foda-se companheiro, sempre ouviste mal, tens a certeza que o apito era o de fim de jogo? Não seria apenas o fim da primeira parte? Sempre valeste mais que uma simples breve. (Oldmirror)

E, todavia, sei-o hoje, só há um problema para a vida, que é o de saber, saber a minha condição, e de restaurar a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo – da alegria, do heroísmo, da amargura, de cada gesto. Ah, ter a evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver depois, em fulgor, que tenho de morrer. A minha presença de mim a mim próprio e a tudo o que me cerca é de dentro de mim que a sei – não do olhar dos outros.
- Virgilio Ferreira

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10/01/2008

296



- E dizes-me que estás a escrever um livro?
- Sim.
- Sobre que escreves?
- Sobre o nada.
- O nada?
- Sim.
- Não entendo. O que há para escrever sobre o nada?
- Tudo.
- Não compliques, como o farás?
- Talvez com páginas em branco.
- Mas assim não o escreves, isso não é escrever.
- Não? (Oldmirror)

“Não passo um dia sem te desejar, nem uma noite sem te apertar, nos meus braços; não tomo uma chávena de chá sem amaldiçoar a glória e a ambição que me mantêm afastado da vida da minha vida....Se me afasto de ti com a rapidez da torrente de Ródano, é para tornar a ver-te o mais cedo possível. Se me levanto a meio da noite para trabalhar, é no intuito de abreviar a tua vinda, minha amada.
Se logo deixaste de me tratar por tu, que será então dentro de quinze dias?! Sinto uma profunda tristeza, e assusta-me verificar a que ponto está rendido o meu coração. Já me queres menos, um dia deixarás de me querer completamente; mas avisa-me, então. Saberei merecer a felicidade…
Adeus, mulher, tormento, felicidade, esperança da minha vida, que eu amo, que eu temo, que me inspira os sentimentos mais ternos e naturais, tanto como me provoca os ímpetos mais vulcânicos do que o trovão...
No dia em que disseres: “Quero-te menos”, será o último dia do amor. Se o meu coração atingisse a baixeza de poder continuar a amar sem ser amado, trincá-lo-ia com os dentes....".
- Carta de amor de Napoleão a Josefina

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Tudo é uma versão de outra coisa qualquer.

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