
A asfixiante e incessante procura da definição correcta, da clareza do sentimento, aos poucos, retira-lhes espontaniedade, retira-lhes emoção, adrenalina, o prazer da incerteza. O insconstante e o descontinuado são corpos estranhos a um qualquer corpo mais habituado ao expectável, ao previsível. Somos impelidos à procura de emoções, desde que as possamos controlar. Gostamos da montanha-russa porque nos obriga a suster a respiração mas porque sabemos ter apenas que a suster durante alguns minutos, porque depois tudo volta à normalidade. Saltamos da cadeira com o filme de terror, porque o filme é mesmo ali, no ecrã...dêem-nos sangue então, quanto mais melhor. Queremos emoção, terror, acção controlada, segura, contida. Temos necessidade do plano B. Proponha-se, em vez da montanha, a roleta. Desafie-se à realização de um filme sem argumento, numa espécie de reallity-tv. Tente-se a entrada num escuro sem pré-programação. Faça-se amor, mas que ele não nos mate. Cometam-se loucuras, mas que os vizinhos não saibam. Embarque-se no desconhecido, desde que ele esteja incluído num pacote de uma agência de viagens. Assista-se a um homicídio, mas em que a caractarização possa ser removida com um qualquer creme. Foda-se de janela aberta, mas só se do outro lado não haja voyeurs.
- Eu vivi!
- Viveste?
- A minha vida dava um filme!
- Exactamente...apenas um filme. (Oldmirror)
Tinha jurado a mim mesma que não o voltaria a fazer,Não porque não o quisesse, mas porque sempre que o faziaQuero definir-te o que é este sentimento:o que pertence à esfera daquilo que a razãonão domina, ou simplesmente nasce da noite,e de tudo o que a envolve. Falo de umaíntima relação entre os seres, de emoçõesque se transmitem para além de palavras econceitos, de um encontro de corpos naesfera do segredo. Dir-me-ás: "Para queprecisas de uma explicação para o amor?"Mas é a sua inutilidade que me interessa;a dádiva, o simples dizer que as coisas sãoassim porque são, e para além disso tudose complica. Podes, então, rir do que tedigo; ou simplesmente dizer-me que aspalavras nada substituem, e que tudo o queelas nos dão está a mais. Mas o amorpertence-nos. Não o podemos deitar fora;nem fingir que não existe, como não existeo infinito, a transcendência, a abstracçãodivina, para quem só crê no concreto. Éverdade que o amor não se vê: o que vejosão os teus olhos, a ternura súbita dassuas pálpebras, e o que elas abrem eescondem numa hesitação de luz. Eis, então,o que define este sentimento: um intervalo,uma distracção do tempo, a divina abstracçãodo infinito na transcendência do real.- Nuno JúdiceEtiquetas: Nuno Júdice