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O pequeno rasgo na persiana vai deixando entrar a luz para dançar ao som do esguio fumo que me abandona desiludido por ter conhecido o que há bem lá no fundo do um corpo estendido, cansado, transpirado, esgotado depois de te ter procurado vezes sem conta. Depois de te ter conhecido bem lá no fundo do teu corpo estendido, desiludido, embrulhado na certeza de um silêncio que mais não diz que o fim. A luz e o fumo apaixonam-se indiferentes à falta de música que deixamos transparecer. A luz e o fumo entrelaçam-se, acariciam-se desafiando a vontade terrena que jaz aqui no chão onde dois corpos permanecem parados disfarçando a trevoada de sonhos que se vão agitando muito mais do que as ondas do mar também elas, como a luz e o fumo, enfeitiçadas pelas curvas da areia onde também os os corpos se chegaram a aconchegar. Respiro o ar que já não queres, guardando-o como se fosse esse o tesouro que descobriste para mim. Deixo-me estar, deixas-te estar. Em breve já não estaremos. (Oldmirror)
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos
E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
- David Mourão-Ferreira
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