11/18/2005

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[Foto by Oldmirror. Irlanda.03]

Vinte quilómetros. Não posso mais. As pegadas que deixei na areia mal comecei a andar já foram roubadas pela espuma fria de um mar de pouca cor. Não vi ninguém. Não procurei ninguém. Já não escuto o barulho das ondas porque o vento não me deixa. Já não sinto a dor da alma porque o frio trespassa-me o corpo cansado que seguiu o conselho de Régio: "A pouco e pouco, vou chegando, não sei a quê." Não cheguei ainda. Deixo-me cair de joelhos na areia que me parece morna. Encosto-lhe a cara. O mar não repara, faz demasiado nevoeiro. Escuto os segredos das gaivotas. Espreito o colar de brilhantes do farol. Quase toco na tímida vaga que, a medo se aproxima para logo se esconder. O mapa traçados pelas nuvens diz-me para seguir. Obedeço. Para onde vou? (Oldmirror)

O mar era de perto e reclinado.
Egeu ou de um vermelho
que recordava vinhas,
carrreiros que pudesse adormecer.
E sonhar duas mãos, umas sandálias.
Ulisses disfarçado.
"Fica", pedira ela.
E o bastidor explodira-se
em imagens.

- Ana Luísa Cabral

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11/17/2005

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[From Almazul]

Apenas no fundo de um silêncio profundo se consegue escutar o barulho de um coração a bater agitado.
Só na ténue luz que dá conta de que vivemos se secam as lágrimas de uns olhos cansados de tanto ver, de tanto mostrarem aquilo que nunca se viu e se sentiu.
Só no negro de um corpo encolhido disfarçamos o frio que nunca quisemos que vivesse cá dentro.
Os dedos tocam na porta, nunca a abrirão.
Os braços abraçam enternecidos os joelhos, nunca os substituirão.
A boca não beija, nunca se abrirá.
A pele toca-se sozinha, nunca conhecerá a outra.
Falta pouco, muito pouco, para que também os sonhos acabem. Mas eles insistem, ainda se pintam de verde, de mar, de música, de ar. Talvez desistam. É preciso que desistam.
Fecha-se mais a alma, a boca, os olhos.
Cerram-se mais os punhos.
Soltam-se mais as lágrimas.
Não, ainda vivem. Mas porquê? O que os motiva?
É preciso fechar um pouco mais a luz.
É preciso um pouco mais de chuva.

(Oldmirror)

11/16/2005

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[Foto by Pavel Szymanski]

Deixa que eu te ame em silêncio
Não pergunte, não se explique, deixe
que nossas línguas se toquem, e as bocas
e a pele falem seus líquidos desejos.

Deixa que eu te ame sem palavras
a não ser aquelas que na lembrança ficarão
pulsando para sempre
como se o amor e a vida
fosse um discurso
de impronunciáveis emoções.

- Affonso Romano de Sant´anna

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11/14/2005

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[Foto by Francesca Woodman]

Vês-me aqui?
Sou este, pouco mais.
Ficas comigo?
Precisava que o fizesses, está na hora.
As palavras começam a acabar
E ficamos aqui,
Tu a olhar para o espelho
O espelho à espera que entres.

(Oldmirror)

11/10/2005

52


[Foto by Wilfried Danner]

Fecho os olhos e quero deixar-me ir. Penso no vôo. Tento sentir antecipar a sensação dos ossos que batem descontrolados nas paredes aflitas por me verem descer. Os dedos fraquejam. As unhas deixam memórias nas pedras tentando segurar-se por mais um pouco, procurando aumentar a indecisão, prolongando as despedidas. Uma gota de suor percorre-me a testa. As pontas dos pés, gelados, tocam no caminho prestes a ser percorrido...um arrepio faz adivinhar o arrepio seguinte. E se quiser voltar? O arrepio adensa-se mas o orgulho faz-me afastar a ideia de voltar atrás. Chegou o momento, os músculos ditam o momento. É brutal e não romântica, como sempre pensara, a descida. Ouço o vento passar por mim, julgo mesmo que o frio me acompanha na descida. Dói-me o corpo descontrolado. Dói-me a alma pelo que não fiz, pelo que deixei para trás. Não são apenas segundos. O fim demora a eternidade. Cheguei. Acabou.

(Oldmirror)

11/09/2005

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[Foto by Paolo Dy]

O corpo não deixava. Em cada pedaço espalhado por nós na cidade cresciam feridas. E foram tantas que deixamos de poder caminhar sem que as encontrassemos ao virar de cada esquina, e elas sangravam. Nunca mais vimos o sol, nunca mais vimos a cidade, não podiamos. Tornou-se insuportável habitar os despojos de uma curta vida onde construimos o Mundo que vimos ruir sem que tivessemos tempo de colocar a última pedra. Quem sase se um dia não o faremos para finalmente podermos respirar. (Oldmirror)

O drama que existiu entre os dois ainda não acabou: ele continua a vir todas as noites a este café para a ver, para reabrir a velha ferida, talvez para saber quem é que a leva para casa esta noite; e ela vem todas as noites a este café se calhar de propósito para o fazer sofrer, ou talvez esperando que o hábito de sofrer se torne para ele um hábito como outro qualquer, adquirindo o sabor do nada que há anos lhe empasta a boca e a vida.

- Italo Calvino

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11/08/2005

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[Foto by Victor Doldor]

Por quanto tempo ficarás apenas a olhar o meu peito aberto? Por quanto tempo não o fecharás com um abraço? O que impede o teu coração de bater mais forte, os teus braços de se cruzarem com os meus, os teus lábios de provarem o nosso gosto? (Oldmirror)

Is someone getting the best of you?

- Foo Fighters

Sorrindo, mergulhávamos os lábios no veneno quando pensámos que bebíamos o antídoto

- José Luís Peixoto

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11/07/2005

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[Foto by Oldmirror]

Não tenho poesia na minha vida. Não tenho justiça nem a sei fazer. Tenho mãos. Terão que chegar. (Oldmirror)

A poesia é fazer justiça pelas próprias mãos

- Nuno Higino

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11/03/2005

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[Foto by André Kértèsz]

Dar a vida. Dar o mundo. Dar o sangue e as lágrimas. Dar o que temos e o que não temos. E preferir morrer indigente de braços vazios. Escolhermos os minutos, as horas e os dias. Desprezarmos a vida inteira. Ser velho. Não chegar a velho. Acabar porque nada mais havia a fazer, porque do tudo que demos, acabamos dando o ar que respirávamos, a chama que nos mantia acesos, a luz que nos mostrava o caminho. Fomos um pouco felizes, mas felizes como ninguém. Morremo-nos porque nada mais havia. Demos tudo. (Oldmirror)

Se eu tivesse as sedas bordadas do céu.
Com bainhas de luz de ouro e de prata.
As sedas azuis e sombrias e escuras.
Da noite e da luz e da meia-luz.
Deitava-as todas aos teus pés.
Mas eu sou pobre e só tenho os meus sonhos.
Deitei-os todos aos teus pés
Pisa com cuidado,
É nos meus sonhos que estás a pisar.

- W. B. Yeats

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