Seriam precisas demasiadas tempestades para que voltasse ao mar. Seriam precisas demasiadas marés para que deixasse que o vento afagasse de novo as velas que já recolhi. Já me esqueci do sabor do sal que me habitava o corpo. Já me esqueci da dança das ondas que embalavam o rumo que traçei. Já não oiço os pássaros que me acompanhavam à chegada. Não há faina nem passeio. Seriam precisos novos mapas para que o destino não fosse este porto onde o tempo tarda em chegar, onde o abrigo não parece existir, onde o fim não me deixa sonhar. (Oldmirror)
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
- Álvaro de Campos
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