1/31/2007

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Parece que não resultou a promessa que fiz atrás da igreja porque não tive coragem de a fazer olhos nos olhos com Deus, por medo que, lá do alto soltasse um sorriso. Parece que não funcionou o bilhetinho que deixei numa das fendas do Muro para onde viajei horas a fio só para que também naquele canto do Mundo soubessem o que queria. Parece que o segredo que soprei para o buraco oca do monte da minha aldeia, seguindo o que aprendera com Wai, que me revelara que depois teria ainda que prender o segredo com barro fresco. Não deve ter chegado ao destino a mensagem que escrevi e coloquei na garrafa que me garantiu conseguir atravessar a Atlântico, nem mesmo o pedaço de seda laranja que ficou ao vento no mais alto monte da terra do Lama. Terá sido porque não esculpi o teu nome, no meio de um coração atravessado pelas setas do paciente Cupido, no banco do jardim onde um dia deixei cair as primeiras lágrimas por ainda não ter ter conhecido? (Oldmirror)
Cet amour
Si violent
Si fragile
Si tendre
Si désespéré
Cet amour
Beau comme le jour
Et mauvais comme le temps
Quand le temps est mauvais
Cet amour si vrai
Cet amour si beau
Si heureux
Si joyeux
Et si dérisoire
Tremblant de peur comme un enfant dans le noir
Et si sûr de lui
Comme un homme tranquille au milieu de la nuit
Cet amour qui faisait peur aux autres
Qui les faisait parler
Qui les faisait blémir
Cet amour guetté
Parce que nous le guettions
Traqué blessé piétiné achevé nié oublié
Parce que nous l'avons traqué blessé piétiné achevé nié oublié
Cet amour tout entier
Si vivant encore
Et tout ensoleillé
C'est le tien
C'est le mien
Celui qui a été
Cette chose toujours nouvelles
Et qui n'a pas changé
Aussi vraie qu'une plante
Aussi tremblante qu'un oiseau
Aussi chaude aussi vivante que l'été
Nous pouvons tous les deux
Aller et revenir
Nous pouvons oublier
Et puis nous rendormir
Nous réveiller souffrir vieillir
Nous endormir encore
Rêver à la mort
Nous éveiller sourire et rire
Et rajeunir
Notre amour reste là
Têtu comme une bourrique
Vivant comme le désir
Cruel comme la mémoire
Bête comme les regrets
Tendre comme le souvenir
Froid comme le marbre
Beau comme le jour
Fragile comme un enfant
Il nous regarde en souriant
Et il nous parle sans rien dire
Et moi j'écoute en tremblant
Et je crie
Je crie pour toi
Je crie pour moi
Je te supplie
Pour toi pour moi et pour tous ceux qui s'aiment
Et qui se sont aimés
Oui je lui crie
Pour toi pour moi et pour tous les autres
Que je ne connais pas
Reste là
Là où tu es
Là où tu étais autrefois
Reste là
Ne bouge pas
Ne t'en va pas
Nous qui sommes aimés
Nous t'avons oublié
Toi ne nous oublie pas
Nous n'avions que toi sur la terre
Ne nous laisse pas devenir froids
Beaucoup plus loin toujours
Et n'importe où
Donne-nous signe de vie
Beaucoup plus tard au coin d'un bois
Dans la forêt de la mémoire
Surgis soudain
Tends-nous la main
Et sauve-nous.
- Jacques Prévert

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1/28/2007

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Sinto que não pertenço aqui, mas não me sinto bem ali. Temo não deixar uma marca que ateste que passei por cá. Está calor, muito calor, mesmo assim não evito sentir-me gelado, preso de movimentos. Arrasto-me até ao espelho, procuro no reflexo uma pista que me leve até ao frio. Páro, olho-me. Vejo o tronco, os braços, as pernas, reparo nos pés. Transpiro, mas sinto-me gelado. Retomo a caminhada até à imagem verdadeira, baixo a cabeça antes de olhar, preciso de um momento para me recompor. Noto que este ar gélido não me sai das entranhas, não solto névoa do meu interior. Levanto a cabeça, limpo a humidade no vidro partido e olho. Ali estava todo o gelo do mundo. Ali estava todo o frio numa só existência. Olho-me. Gelo-me. O gelo esta-me no olhar. O gelo gela-me os olhos. O gelo do olhar. Daquele olhar. Do meu olhar. (Oldmirror)
Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow
Creeps in this petty pace from day to day,
To the last syllable of recorded time
And all our yesterdays have lighted fools
The way to dusty death. Out, out, brief candle!
Life's but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more. It is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.
- William Shakespeare

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1/24/2007

179


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Foi por amares o mar que não te pude amar. Foi por te refugiares na areia que te deixei no areal. Foi por respirares a brisa que não te deixei respirar adormecer no calor dos lençóis que não usamos. Porque quem ama o mar, caminha na areia e inspira o vento dificilmente viveria mergulhada num oceano de dúvidas, limitada à distância das paredes e recolhendo do ar o peso por mim deixado. Foi por teres visto o oceano que te larguei à deriva. Foi por mereceres a Terra que enverguei as asas do anjo. Foi por ires mais além que não saí do meu lugar. Foi por ter provado as lágrimas salgadas dos teus olhos que a doca seca que são os meus não te olharam mais. Foi por amor ao amor que to entreguei de mão beijada, para distribuires por essas ondas. E agora vai, faz o que te digo, que na costa o farol de pedra em que me tornarei velará o rumo que segues nessa praia de maré cheia. (Oldmirror)
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O universo não me traz mágoa.
Sobretudo,
amar a areia
arrebata-me de júbilo e paixão.
Amar o mar completa a minha vida
com o tacto de um amor imenso.
Mas veio o vento e,
por momentos,
amargurou o meu corpo,
a oscilar.
E está o Sol aqui,
depois de uns dias
com o jardim obscurecido a beber sombra.
E sei que os átomos zumbem
e dançam como os insectos,
ébrios em redor do pólen.
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- Fiama Hasse Pais Brandão

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1/23/2007

178


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Tinha percebido há muito que pouco havia a fazer.
Tinha dito há muito que nada havia a dizer. (Oldmirror)
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Perdem-se o cabelo, os nervos,
vocês entendem, o tempo precioso,
perde-se altura no posto
perdido, brilho, sinto muito,
não faz mal, por pontos,
não me interrompam, perde-se
sangue, pai e mãe,
o coração perdido em Heidelberg,
sem pestanejar
perdem-se, de novo, os encantos
da novidade, passe-se uma esponja,
os direitos cívicos, oh sim,
a cabeça,
em nome de Deus, a cabeça, se for indispensável,
o paraíso perdido, por mim,
o emprego, a ovelha perdida,
a cara e ainda por cima,
um molar, duas guerras mundiais,
perdem-se três quilos de sobrepeso,
perde-se, unicamente se perde, também
as ilusões perdidas há muito,
vá lá nem uma palavrinha perdida
sobre o esforço perdido,
vá, a luz dos olhos
perde-se de vista, uma pena, a chave da casa,
uma pena, a si mesmo, perdido em pensamentos,
perde-se a gente na multidão,
não me interrompam,
o juízo, o último vintém,
seja, mas já estou chegando ao fim,
a linha, o saco e a farinha,
perde-se tudo de vez,
ai, inclusive o fio,
a carteira de motorista, e a vontade.
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- Hans Magnus Enzensberger

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1/19/2007

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Insónia

- Fernando Alves (TSF)

1/17/2007

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[Johnny e Roseanne Cash / Hiltons, Virginia, 2001, by AnnieLeibovitz]

Como descrever o estado de felicidade provocada por um simples nada, uma simples existência que nada mais é do que a monotonia dividida por dois e vivida a dois? Como preencher o espaço branco deixado para traduzir o espírito de um 'para sempre' construído por pequenos nadas que agitam mais um coração que um temporal de emoções procuradas na vertigem de um mundo que roda lá por fora? Como se explica o nada? Como se explica que tudo se resume a estar e morrer estando? Quem entenderia a certeza da eternidade num quadro onde estar lado a lado é bem mais do que caminhar lado a lado porque não importa ir a lado algum? Quem entenderia que a escolha feita resulta na mais simples das existências, olhando os dias nascerem e morrerem sem que tenhamos que pintar-lhes um único traço que assinale a nossa presença? Era uma vez dois corpos que por muito tempo viveram afastados um do outro, desafiando resistências, acelerando o fim, procurando a lucidez no imaginário, assentando arraiais no fundo de todos os poços a quem chamaram palácios. Era uma vez dois corpos que, cansados, juntaram ombros, deitaram-se e ficaram o tempo que lhes restava existindo, respirando, sorrindo e coleccionando nadas porque tinham tudo, ali mesmo, onde nada crescia, nem eles. Nunca souberam se se amavam porque nunca se lembraram disso, nunca souberam como era o mundo olhado a quatro mãos porque há muito tinham deixado o mundo, mas aprenderam cada nota soltada pela respiração que trocavam, cada cor que compunha um sorriso ou uma lágrima que soltavam, cada sabor deixado pelos dias, cada espelho revelado pelas gotas de suor lbertadas de comum acordo. Nunca souberam o que era o tudo porque sempre preferiram o nada. (Oldmirror)

A tua cabeleira de laranjas no vazio do mundo
No vazio dos vidros densos de silêncio
E de sombra onde as minhas mãos nuas te procuram os reflexos.
A forma do teu coração é quimérica

E o teu amor parece-se com o meu desejo perdido.
Ó suspiros de âmbar, sonhos, olhares.
Mas tu sempre estiveste comigo.

A memória
Obscurece-se-me porque te vi chegar
E partir. O tempo serve-se de palavras como o amor.
- Paul Eluard

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1/08/2007

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O mundo civilizado está impossível de se viver!

(Oldmirror)

1/03/2007

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Numa vontade incompreensível colocamos a esperança nas mãos de uma borracha que apague o cinzento dos dias, abrimos os braços a um novo calendário que, estúpidos, julgamos trazer tudo de bom fruto dos rituais que, ano após ano, fazemos questão de cumprir. Mas os dias lá voltarão, escuros, desesperados pela coragem que enterramos com a sede de viver apenas um pouquinho, num cantinho. Fecho o livro, não o leio mais. Olho o espelho, mantêm-se as sombras onde confortavelmente me desloco, numa escala de cinzas que me ensinou a não pedir a cor nem a levantar o braço anunciando boas novas. Olho o espelho, sossego, nada mudará, sobreviver-se-à bem mais do que se viverá. Uma pitada de sorrisos, uma gota de risco e muito, muito tempo para deixar correr. (Oldmirror)
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