[Foto by Oldmirror. Pisa.04]
Não te deixarei morrer em mim. Não deixarei que saias de mim. Impedirei a despedida mesmo que ela já tenha sido feita. Guardar-te-ei aqui apesar de aqui não morares. Escolhi escolher-te e isso não posso mudar. (Oldmirror)
Estendeste-me a mão e disseste-me com a cabeça baixa: «Adeus, peço-lhe desculpa» e senti nos meus braços uma grande vontade de te puxar para mim, de te apertar contra o meu coração; nos meus braços, o gesto parecia tão fácil: fácil de fazer, e fácil de desfazer, um gesto transparente e exactamente igual a si próprio. Mas deixei os braços caídos ao longo do meu corpo. Um gesto, e Jacques está morto. Um gesto, e qualquer coisa de novo aparece no mundo, qualquer coisa que eu criei e se desenvolve fora de mim, sem mim, arrastando atrás de si imprevisíveis avalanches. «Ele apertou-me nos braços.» Sentia já nos teus olhos a minha cara que me escapava; que se tornara já no teu coração o acontecimento opaco com que eu acabava de carregar o teu passado. Apertei a tua mão com indiferença; deixei-te ir embora sozinha pelas ruas em festa; ias a chorar mas eu não sabia. E fui-me embora, pelo meu lado, julgando-me também sozinho e acariciando a meu modo um vago remorso. Como se todos esses beijos que não te dei não nos tivessem prendido um ao outro com tanta força como os abraços mais ardentes; com tanta força como esses beijos que já não voltarei a dar-te, como essas palavras que nunca mais te direi e que me ligam a ti para sempre, tu, meu único amor.
- Simone de BeauvoirEtiquetas: Simone de Beauvoir